A população negra no Brasil é a mais afetada pelas mortes atribuídas ao uso de álcool, segundo o relatório Álcool e a Saúde dos Brasileiros: Panorama 2024, lançado nesta sexta-feira (30) pelo Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa). Este estudo revela disparidades significativas que evidenciam a necessidade urgente de abordagens mais eficazes e inclusivas no tratamento e prevenção do alcoolismo.
De acordo com o psiquiatra e presidente do Cisa, Arthur Guerra, “os dados indicam que os impactos do uso nocivo de álcool são desiguais entre brancos, pretos e pardos, com uma disparidade ainda mais acentuada entre as mulheres.” Em 2022, a taxa de mortes atribuíveis ao álcool foi de 10,4 por 100 mil habitantes entre a população negra, comparada a 7,9 entre brancos, uma diferença de cerca de 30%. Entre as mulheres, a discrepância é ainda maior, com taxas de 2,2 e 3,2 para pretas e pardas, respectivamente, em comparação com 1,4 para brancas.
A doutora em sociologia e coordenadora do Cisa, Mariana Thibes, atribui essas diferenças às desigualdades raciais históricas que afetam o acesso a tratamentos de saúde. “Pessoas pretas enfrentam maior vulnerabilidade social devido ao racismo e à pobreza, o que dificulta o acesso a serviços de saúde de qualidade necessários para tratar transtornos relacionados ao álcool.”
Além disso, estudos internacionais sugerem que a discriminação racial pode ser um estressor que contribui para problemas físicos e emocionais, além de comportamentos de risco associados ao consumo de álcool. No entanto, Thibes destaca que isso não significa que os negros consumam álcool de forma mais abusiva, mas sim que enfrentam barreiras maiores para obter tratamento adequado.
Entre as mulheres, um dado alarmante é que 72% dos óbitos por transtornos mentais e comportamentais relacionados ao álcool ocorrem entre mulheres pretas e pardas. “As dificuldades redobradas enfrentadas pela população negra feminina, combinadas com o estigma do alcoolismo e a falta de tratamento adequado, podem levar a problemas sociais e de saúde adicionais”, observa Mariana.
O relatório também aponta que a pandemia interrompeu a tendência de queda das mortes atribuíveis ao álcool. Em 2022, a taxa de mortes associadas ao álcool foi de 33 por 100 mil habitantes, ainda abaixo dos 36,7 registrados em 2010. Os estados com as maiores taxas incluem Paraná (42,0), Espírito Santo (39,4) e Piauí (38,9).
A análise destaca que os efeitos negativos do álcool variam conforme a faixa etária, com jovens adultos enfrentando riscos como acidentes de trânsito e violência, enquanto os mais velhos são mais afetados por doenças crônicas. Também é notável que o estigma associado ao alcoolismo contribui para a dificuldade de aceitar o tratamento, prejudicando a busca por ajuda.
“O alcoolismo é frequentemente visto como uma falha de caráter, o que pode atrasar a busca por tratamento”, diz o Cisa. “Além disso, o estigma histórico de que a população negra tem uma relação mais abusiva com o álcool não é confirmado por dados recentes, mas contribui para a evasão dos serviços de saúde.”
Para enfrentar essas desigualdades, é essencial promover a conscientização sobre os impactos do abuso de álcool na população negra e garantir acesso igualitário a cuidados de saúde de qualidade. Serviços de saúde culturalmente sensíveis e o aumento do acesso a tratamentos gratuitos são fundamentais para abordar a situação de maneira eficaz.
O Cisa, fundado em 2004, é uma das principais referências no Brasil sobre o tema, trabalhando para a conscientização, prevenção e redução do uso nocivo de bebidas alcoólicas. A organização se dedica à divulgação de pesquisas e dados científicos, produção de materiais educativos e desenvolvimento de projetos voltados para a melhoria da saúde pública.