segunda-feira, 11 de novembro de 2024

Segurança no Sambão do Povo é obrigação do poder público

Sambistas se manifestaram pela paz no último dia de ensaios técnicos. Crédito: Vitor Jubini

“Nossa, como tem polícia aqui”, “depois que acontece eles vêm”, “a viatura tá bem no lugar em que o cara foi morto”. Ouvi esses comentários de sambistas que acompanhavam o último dia de ensaios técnicos nesta segunda-feira (6), no Sambão do Povo — o primeiro desde a morte de Pedro Crizanto.

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De fato, a via estava cheia de policiamento. Eram, pelo menos, três viaturas da Guarda Municipal dentro do sambódromo, duas caminhonetes da Polícia Militar — que passaram um tempo no recuo da bateria, até as escolas chegarem — e uma comitiva de policiais junto ao Coronel Ramalho, Secretário de Estado de Segurança Pública. Até ele estava lá.

Sabemos que, depois que Pedro foi morto com um tiro na cabeça nos ensaios técnicos da última quarta-feira (1), foram anunciadas várias medidas de segurança para os desfiles — e que, como dizem as autoridades, foram “antecipadas” em virtude do fato. A prefeitura da Capital divulgou que planeja o uso de 40 câmeras de videomonitoramento, no Sambão e no entorno, e até um drone para suporte das ações de segurança, com imagens monitoradas a partir de um centro de comando.

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A questão é que esse reforço na segurança não deveria ter começado só agora. Deveria ter começado antes, junto com os ensaios técnicos. Segurança pública não é “trunfo”, é direito. O assassinato sequer deveria ter acontecido. Planejar ações de segurança depois que tudo ocorreu é obrigação do poder público. Benefício para a população seria se não tivesse tido confusão, se ninguém tivesse ficado com medo e, principalmente, se nenhum jovem tivesse sido morto — ainda mais enquanto toca uma bateria de escola de samba.

Como já disse aqui em uma coluna passada: nós do samba nunca vimos fatos violentos como esse acontecerem no Sambão do Povo. Por isso, é de extrema importância o ato que foi realizado neste último dia de ensaios técnicos, antes de as escolas entrarem na avenida. A convite do diretor geral da Liga das Escolas de Samba do Grupo Especial (LIESGE), Jocelino Junior, sambistas de diversas agremiações vestiram branco, levaram suas bandeiras e caminharam na avenida, para mostrar que o mundo do samba é lugar de paz e que a comunidade sambista não compactua com a violência. O samba é o grande poder transformador, e nós sabemos disso.

As comunidades são lugares de paz

Nas palavras do próprio Jocelino, as comunidades onde as escolas de samba estão inseridas são lugares de vulnerabilidade social, no entanto, atos de violência não são a regra. Nem no mundo do samba, nem quando se considera que existem milhares de moradores fugindo da criminalidade e lutando pra sobreviver todos os dias nesses bairros.

Dona Ana Ferreira, baiana do Pega no Samba e de outras sete escolas. Crédito: Vitor JubiniDona Ana Ferreira, baiana do Pega no Samba e de outras sete escolas. Crédito: Vitor Jubini

Tem tudo a ver com o enredo do Pega no Samba, primeira escola a entrar na avenida nesta segunda. “Era só mais um cria” conta a história de moradores e nascidos em favelas, com sua cultura, musicalidade e religiosidade. Também fala sobre preconceito. “A carne mais barata / sou a resistência da minha cor”, “Contra os olhares maldosos que vêm do asfalto e a mim discriminam”, “Dizia o mestre, tem que correr atrás” e “Buscando um mundo que nem sempre me enxergou” são alguns dos trechos do samba. Uma expressão forte que celebra as periferias e demarca o poder das novas gerações

Mestre Gle comanda a Orquestra Capixaba de Percussão, a bateria da Novo Império. Crédito: Vitor Jubini
Mestre Gle comanda a Orquestra Capixaba de Percussão, a bateria da Novo Império. Crédito: Vitor Jubini

Ao povo do Império, meu respeito e gratidão!

Na chegada da Novo Império ao Sambão do Povo, Mestre Gle viu que eu passava um sufoco com a harmonia da escola — para conseguir gravar um trecho da reportagem sobre os ensaios técnicos — e me puxou para o lugar onde eu estava antes, próximo à bateria dele. Gle é companheiro das antigas, um cara que reconhece o nosso trabalho e que faz questão de caminhar junto. Obrigada pelo carinho, mestre!

Rayane Rosa, rainha da Novo Império, usou um figurino com metade ouro, metade lata. Crédito: Vitor JubiniRayane Rosa, rainha da Novo Império, usou um figurino com metade ouro, metade lata. Crédito: Vitor Jubini

De ouro ou de lata, se destacou!

O samba da Novo Império já diz: “Se é de ouro ou de lata, tá lá na periferia / A rainha se destaca à frente da bateria”. E se destacou, mesmo, viu? Rayane Rosa, rainha da comunidade — importante enfatizar! —, veio de metade ouro, metade lata, em um figurino idealizado pelo Ateliê Daniel Braga. Há anos, a “Raynha”, como é chamada pela família imperiana, se destaca pelos belíssimos e bem idealizados figurinos dos ensaios técnicos. A essa majestade, vida longa!

A primeira princesa do Carnaval de Vitória, Ana Clara Bona, e a mãe dela, Valéria Bona. Crédito: Rodrigo GaviniA primeira princesa do Carnaval de Vitória, Ana Clara Bona, e a mãe dela, Valéria Bona. Crédito: Rodrigo Gavini

Orgulho da mamãe!

Quem viu Ana Clara Bona, primeira princesa da corte do carnaval, brilhar na avenida, certamente também viu o olhar atento da mãe dela, dona Valéria Bona, que sempre que pode acompanha a filha no samba. Clara, que é passista da MUG desde criança, confessa que ficou dividida quando foi eleita e soube que, durante o reinado, não pode desfilar na escola do coração. Conta a princesa que Dona Valéria deu um conselho muito importante: será um ano de renúncia do desfile pelo sonho maior de compor a corte — no próximo, ela volta para a ala de passistas. E a MUG quer de volta, viu? Orgulho da mamãe!

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