A falta de acesso a alimentos fez com que a insegurança alimentar moderada subisse 10% no Brasil desde 2014, segundo dados do último relatório da ONU sobre segurança alimentar e nutricional.
Vanille Pessoa, que integra a diretoria da Associação Brasileira de Nutrição, falou à ONU News sobre as mudanças que a alta no preço dos alimentos tem provocado na dieta do país. Segundo ela, a composição do famoso prato de arroz e feijão já foi alterada.
Constituição e direito
Em entrevista à ONU News, de João Pessoa, ela citou dados oficiais que indicam 33 milhões de pessoas em situação de fome. A nutricionista lembra que o direito à alimentação está previso na Constituição federal.
“A gente nunca pode perder de vista que alimentação é direito. É um direito que está na Constituição. A gente tem que brigar por ele. Então, minimamente, a pessoa vai ter que ter recursos para ter acesso aos seus alimentos. Então, é importante saber que a estrutura política do entorno desses indivíduos, dessas famílias, precisa ser mudada”
Além da constituição brasileira, o direito à alimentação também está previsto na Declaração de Direitos Humanos.
Solos saudáveis ajudam a cultivar alimentos, limpar água, armazenar carbono e reduzir os riscos de secas e inundações.
Alimentação saudável e completa
Ao lado de 153 nações, o Brasil ratificou o Pacto Internacional de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais e Culturais, que também caracteriza a alimentação como um direito humano básico.
Vanille Pessoa explica que a garantia ao alimento não assegura uma comida saudável e de qualidade. O Guia Alimentar para a População Brasileira e a Organização Mundial da Saúde, OMS, descrevem que a base de uma dieta saudável deve ser composta por alimentos naturais ou minimamente processados.
O relatório da ONU divulgado na última semana aponta que na América Latina e Caribe o aumento nos preços dos alimentos tem dificultado o acesso a opções frescas.
Segundo o levantamento, entre abril de 2021 e abril de 2022, os brasileiros viram um aumento de 13% dos mantimentos. O Brasil ficou apenas atrás do Chile, onde o mercado se tornou 15% mais caro. Todos os países da região observaram taxas mais elevadas que no resto do mundo.

Um vendedor ambulante vende frituras em sua barraca em Jacarta, na Indonésia.
Competição injusta
Para ter acesso a uma alimentação saudável, os latino-americanos e caribenhos precisam desembolsar mais que a média global, com US$ 3,89 por pessoa por dia
Sobre isso, a nutricionista da Asbran explica que alimentos ultraprocessados geram uma competição injusta. Ela explica que como são mais baratos, esses produtos são alternativas que acabam aumentando a obesidade e a má nutrição.
“Posso falar tranquilamente aqui do nosso país que ocorre os alimentos que a gente chama ultra ultraprocessados, que o Guia Alimentar para a população brasileira chama de ultraprocessados, que são aqueles alimentos que são ricos em gorduras ruins para a saúde, que são aqueles alimentos industrializados. Esses alimentos são mais baratos e esse é um grande problema. Essa é uma questão que a gente tem que discutir na organização do nosso sistema alimentar. Um macarrão instantâneo não pode ser mais barato, e mais: de maior acesso, do que uma mandioca, uma macaxeira, né? Então foi isso que foi acontecendo ao longo do tempo. A gente vai tendo um alto consumo de alimentos ultraprocessados, de baixo custo e baixo valor nutricional, porque tem valor nutricional praticamente zero.”
Locais de compra
Para reverter o cenário, a nutricionista destaca que além de políticas públicas e incentivo aos pequenos produtores, os consumidores devem repensar o local onde compram seus alimentos.
“Quando a gente fala em quais são as estratégias que a gente pode obter alimentos mais baratos é justamente a gente sair do supermercado e ir para a feira. Só que isso às comunidades mais empobrecidas já fazem. Então, qual são os melhores lugares para você comprar alimentos de qualidade e que sejam esses minimamente processados in natura, são nas feiras, aquelas de base agroecológica, porque são aquelas feiras que o agricultor planta e vende, eliminam atravessador. A gente elimina um valor que é acrescido nesse alimento, que vai pesar depois no bolso. Fazer a troca de locais de compra é bem importante. E aí a gente precisa pensar que esses lugares de comercialização de alimentos precisam ser incentivados”

Áreas rurais afetadas por conflitos armados estão sendo restauradas para fortalecer o processo de paz na Colômbia.
Produção e consumo locais
Vanille Pessoa afirma que ainda há no Brasil o que o setor chama de “desertos alimentares”, ou seja, locais onde há pouca disponibilidade de alimentos in natura. Isso impõe um desafio, mas também uma oportunidade para o fomento da produção e consumo locais.
“A gente tem uns termos na nutrição de “desertos alimentares” ou “pântanos alimentares”, aqueles que não têm local para a pessoa comprar comida saudável, só tem supermercado, só tem um mercado que já vem esse tipo de comida totalmente ultraprocessada. Uma alternativa para que a gente consiga ter acesso a alimentos saudáveis é o local de compra, feiras livres e, de preferência, agroecológicas, é claro. A política organizacional, as passagens, taxações de impostos precisam ser modificadas para que a gente consiga fazer essas trocas mais justas, porque não pode cair só para o consumidor final.”
Capacidade produtiva do Brasil
A representante da Asbran afirma que a região deve buscar sua “soberania alimentar”. Destacando a capacidade produtiva do Brasil, ela acredita que mais incentivos deveriam ir aos produtores de base agroecológica.
Sua avaliação está em linha com a análise da diretora regional do Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola, Fida. Para Rossana Polastri, o preço em alta dos alimentos afeta particularmente as populações mais vulneráveis, que gastam uma fatia maior da renda na compra.
Ela recomenda que soluções inovadoras sejam promovidas, para a diversificação da a produção e aumento de oferta de alimentos saudáveis, que melhorem o acesso dos pequenos produtores a mercados e alimentos de qualidade.
Dieta saudável
Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde, Opas, a composição exata de uma dieta diversificada, equilibrada e saudável varia de acordo com as características individuais de cada pessoa, contexto cultural, alimentos disponíveis localmente e hábitos alimentares.
No entanto, o braço da OMS nas Américas aponta os princípios básicos do que constitui uma alimentação saudável. Para adultos, uma dieta adequada inclui:
- Frutas, verduras, legumes, nozes e cereais integrais – como milho, aveia, trigo e arroz integral.
- Pelo menos 400g de frutas e vegetais por dia, exceto batata, batata-doce, mandioca e outros tubérculos.
- Menos de 10% da ingestão calórica total de açúcares livres, o que equivale a 50g para uma pessoa com peso corporal saudável e que consome cerca de 2 mil calorias por dia.
- Idealmente, o consumo deve ser inferior a 5% da ingestão calórica total para benefícios adicionais à saúde.
- Açúcares livres são todos os açúcares adicionados aos alimentos ou bebidas pelos fabricantes, cozinheiros ou consumidores, bem como os açúcares naturalmente presentes no mel, xaropes, sucos de frutas e concentrados de sucos de frutas.
- Menos de 30% da ingestão calórica diária procedente de gorduras. Gorduras não saturadas, presentes em peixes, abacate e nozes, bem como nos azeites de girassol, soja, canola e azeite, são preferíveis às gorduras saturadas, encontradas em carnes, manteiga, óleo de palma e coco, creme, queijo, ghee e banha, e às gorduras trans de todos os tipos, principalmente as produzidas industrialmente.
- Sugere-se que a ingestão de gorduras saturadas seja reduzida a menos de 10% da ingestão calórica total e das gorduras trans, a menos de 1%.
- Menos de 5g de sal por dia, o equivalente a cerca de uma colher de chá. O sal deve ser iodado.