domingo, 06 de outubro de 2024

Cristina Kirchner: sentença abre capítulo na Argentina

Cristina Kirchner foi condenada a 6 anos de prisão e desqualificação especial perpétua para exercer cargos públicos pelo delito de administração fraudulenta em detrimento da administração pública, na chamada “Causa Vialidad”.

No processo judicial, iniciado quase quatro anos atrás, foi decidido que, de 2009 a 2015, as presidências de Cristina Kirchner destinaram de forma fraudulenta quantias exorbitantes de dinheiro para obras públicas viárias a uma empresa vinculada à família Kirchner. Esta empresa –Austral Construcciones– foi criada durante a presidência de Néstor Kirchner e a cargo de um ex-funcionário do banco –Lázaro Báez– sem experiência prévia na área. Junto com Cristina, Lázaro Báez e outras pessoas relacionadas a esses eventos foram condenados.

Em outubro, o Ministério Público solicitou para a vice-presidente uma pena de 12 anos de prisão efetiva pelo delito de dirigir uma associação ilícita em detrimento do Estado. Embora a defesa tivesse tempo para refutar as acusações, muitos na mídia argumentaram que a estratégia consistiu mais em denunciar uma perseguição política, ao estilo lawfare, para provar a falsidade da acusação.

A conclusão deste processo foi a leitura do veredito por parte de um tribunal federal composto por três juízes, dois dos quais rejeitaram a acusação de associação ilícita e basearam a condenação na administração fraudulenta. O terceiro juiz, que defendeu a associação ilícita, aprovou a decisão em dissidência.

Após a leitura do veredito, Cristina Kirchner dirigiu-se ao público através das mídias sociais, alegando novamente que a sentença é produto de uma perseguição política a ela, similar às perseguições políticas de outros líderes populares na América Latina nos últimos anos. A vice-presidente ressaltou que a “perseguição” vai contra a defesa dos interesses populares que esses líderes encarnaram nas últimas duas décadas na região. Cristina também afirmou que estes ataques se estruturarão em poderes de fato articulados entre setores judiciais, corporações econômicas, partidos de direita e a intromissão de setores políticos norte-americanos.

A vice-presidente, seu setor político e seus aliados vinham sustentando há algum tempo, na medida em que se aproximava o final do julgamento e a promulgação da sentença, que tudo era um caso forjado, de perseguição, dos mesmos poderes antipopulares na Argentina. E, portanto, a condenação era inevitável, mas dado o contexto mencionado, ilegítima e politicamente perversa.

Enquanto isso, para a oposição política, setores empresariais e comunicacionais, grupos e organizações de esquerda e parte da sociedade civil, o julgamento e sua possível condenação nada mais é do que a evidência final de uma matriz de corrupção que atravessou as três presidências “kirchneristas” (a primeira de Néstor Kirchner, as outras duas de Cristina).

Quatro aspectos fundamentais emergem da decisão. Em primeiro lugar, a pena de prisão de Cristina não é efetiva no momento. Além da continuidade de instâncias judiciais, a vice-presidente é, segundo a Constituição argentina, presidente do Senado Nacional e, portanto, tem imunidade parlamentar. Da mesma forma, a desqualificação para exercer cargos públicos não se sustentará dadas as previsíveis instâncias judiciais (tribunais de apelação, Suprema Corte) que podem durar anos.

Por outro lado, o caso “Vialidad”, cuja primeira instância foi encerrada, está atada a dois outros casos –”Hotesur” e “Los Sauces”– que, segundo a acusação, envolveu lavagem de dinheiro através de aluguéis de propriedades da família Kirchner, provenientes de “retornos” dos fundos substanciais obtidos a partir das concessões de obras públicas à Austral Construcciones. Ambos os filhos de Cristina estão implicados nestes dois casos, pois faziam parte das associações comerciais da família.

Nos dias prévios à decisão, a estrutura política do kirchnerismo e seus aliados advertiram que se a vice-presidente fosse condenada, haveria eclosões políticas e sociais, incluindo manifestações populares, ocupação de sedes judiciais e marchas para os tribunais federais. Também apontou para a “paralisação do Estado e da administração” pela ação dos trabalhadores estatais. A verdade é que, até agora, nada disso aconteceu.

Em seu discurso nas redes após a decisão, Cristina anunciou que nunca mais será candidata a nada, em linha com o que foi mencionado e insinuado nos últimos meses sobre sua candidatura presidencial para as eleições de outubro de 2023. Mas além do sentido real desta renúncia, a decisão abre um panorama político incerto na Argentina.


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