Um estudo aponta que cerca de 10% dos casos de câncer estão relacionados a alterações genéticas. Apesar de serem considerados uma minoria, essa porcentagem representa aproximadamente 50 mil novos casos anualmente no Brasil. Especialistas ressaltam que muitos desses casos poderiam ser prevenidos por meio de intervenções em oncogenética, área da medicina que se concentra na predisposição genética ao câncer. Em um evento no Instituto Nacional do Câncer (Inca), realizado no dia 28 de setembro, especialistas pediram a inclusão dessas intervenções no Sistema Único de Saúde (SUS).
O pesquisador do Grupo de Câncer Hereditário do Inca, Miguel Moreira, ressaltou que indivíduos portadores de variantes genéticas têm um risco significativamente maior de desenvolver câncer em comparação à população em geral. “A manifestação da doença costuma ocorrer em idade mais precoce em relação aos casos esporádicos, e é comum o aparecimento de mais de um tumor primário”, explicou.
Moreira destacou que a identificação de uma variante genética patogênica permite que o portador se beneficie de estratégias de prevenção primária e secundária. A prevenção primária busca evitar o desenvolvimento do tumor, enquanto a prevenção secundária visa detecções precoces, aumentando as chances de tratamento exitoso e cura.
O pesquisador enfatizou que, embora testes e tratamentos já sejam cobertos por planos de saúde, esses recursos ainda não estão disponíveis no SUS. Para ele, é fundamental que exista uma linha de cuidados específica para cânceres genéticos dentro da saúde pública.
A diretora da Rede Brasileira de Câncer Hereditário (Rebrach), Patrícia Ashton-Prolla, sublinhou que a média de 10% de cânceres hereditários varia consideravelmente entre os diferentes tipos de câncer. Por exemplo, 25% dos casos de câncer de ovário e até 40% dos retinoblastomas são hereditários. Além disso, o risco de desenvolvimento de câncer pode ser até dez vezes maior em indivíduos com certas mutações genéticas. Segundo Patrícia, qualquer tipo de câncer hereditário poderia ser prevenido mediante comprovação genética prévia.
Patrícia aponta que, há uma década, os testes genéticos para pacientes com câncer passaram a ser obrigatórios nos planos de saúde, mas ainda não fazem parte do SUS, exceto em situações específicas. Os planos de saúde são obrigados a realizar testes genéticos em familiares, exames de rastreamento periódico e procedimentos cirúrgicos redutores de risco, como a remoção de tecidos mamários ou ovários. Contudo, essas intervenções permanecem sem cobertura no SUS.
Recentemente, o Ministério da Saúde incluiu o medicamento olaparibe no protocolo de tratamento para câncer de ovário e endométrio, especificamente para casos com origem genética, e também determinou a realização de testes genéticos para identificar quais pacientes devem receber o medicamento. No entanto, Patrícia criticou a necessidade de ampliação da testagem para familiares de indivíduos com mutações e a inclusão de outros genes, além dos dois previstos na portaria, que podem estar relacionados a tumores. “Embora a inclusão de olaparibe no SUS seja uma conquista, é uma medida que atende apenas um pequeno grupo de pacientes com doença avançada. Na prática, o acesso a medidas preventivas e de redução de risco permanece limitado”, concluiu.
O Ministério da Saúde foi contatado para comentar as críticas relacionadas à portaria e à inclusão de tecnologias em oncogenética no SUS, mas não respondeu até o fechamento desta matéria.