Quando o presidente Donald Trump lançou sua política de tarifas no início do ano, parecia que as montadoras enfrentariam um grande problema. Apesar das tarifas dos EUA sobre carros e peças importadas, o cenário acabou se tornando bastante favorável para as empresas do setor automobilístico.
A maioria das montadoras, inclusive as americanas, depende da importação de alguns veículos e de grande parte das peças. As projeções de aumentos de custos foram, no entanto, amenizadas à medida que as tarifas foram reduzidas paulatinamente.
Além disso, o impacto financeiro mais relevante para as montadoras foi a quase eliminação das penalidades por descumprimento das normas de eficiência de combustível. Essas mudanças regulatórias podem, no fim, compensar os gastos provocados pelas tarifas.
Ao todo, é possível afirmar que os lucros do setor automotivo podem ficar acima dos níveis observados antes da posse de Trump, em janeiro.
Esse desfecho surpreende, principalmente porque os vultosos investimentos em veículos elétricos feitos nos últimos anos também foram afetados pela decisão de Trump de retirar o apoio federal a esse tipo de automóvel. As montadoras haviam baseado nessa linha de produtos boa parte de sua grande aposta.
“É definitivamente favorável”, declarou o analista automotivo independente Jeff Schuster ao comentar as alterações ocorridas desde o anúncio das tarifas em março.
“Existem tantos fatores em jogo que é difícil separar um por um. Mas a situação está, sem dúvida, melhor do que muitos esperavam”, acrescentou ele.
Custos tarifários não são tão ruins quanto se temia
As montadoras ficaram em alerta máximo quando Trump anunciou a intenção de aplicar uma tarifa de 25% sobre todos os veículos importados, inclusive os vindos do México e do Canadá, já que praticamente todas dependem de peças importadas para montar carros em suas fábricas americanas.
O CEO da Ford, Jim Farley, afirmou que as tarifas “abririam um buraco na indústria americana como nunca vimos”.
O impacto, porém, não foi tão severo quanto o previsto, porque Trump rapidamente atenuou os piores efeitos das tarifas.
General Motors e Ford, que inicialmente estimaram bilhões em custos anuais, revisaram para baixo suas projeções.
Enquanto a GM reduziu sua previsão de US$ 5 bilhões para US$ 500 milhões no mês passado, a Ford cortou pela metade sua projeção de custo tarifário para 2025, de US$ 2 bilhões para US$ 1 bilhão.
A Volkswagen registrou um prejuízo de 1 bilhão de euros (US$ 1,3 bilhão) no terceiro trimestre e afirmou que as tarifas podem custar até US$ 5,8 bilhões neste ano.
Parte dessas perdas, entretanto, decorreu de outros problemas ligados aos seus veículos elétricos europeus e de uma reorganização na Porsche.
Embora as tarifas tenham pressionado os lucros, as montadoras conseguiram superar as expectativas do mercado.
Por exemplo, esperava-se uma queda de 23% nos lucros por ação ajustados da GM no terceiro trimestre; na prática, a queda foi de apenas 5%.
Até o prejuízo da Volkswagen ficou abaixo de um quarto do valor projetado.
Até fabricantes da Ásia e da Europa resistiram à turbulência, pois produzem uma parcela significativa dos veículos vendidos nos EUA dentro do próprio território americano.
O CEO da Hyundai, José Muñoz, afirmou a jornalistas em Nova York, em setembro, que os Estados Unidos seguem sendo o mercado mais lucrativo da Hyundai, e não a Coreia do Sul, mesmo após as tarifas americanas.
Ele projeta que essa tendência se mantenha.
“As tarifas ainda representam um obstáculo”, disse Dan Ives, analista da Wedbush Securities. “Mas, até agora, foram bem absorvidas.”
Novas reduções tarifárias são plausíveis caso a administração consiga firmar um novo acordo comercial com o Canadá e o México, dois grandes fornecedores de carros e autopeças importadas.
Trump interrompeu recentemente as negociações comerciais com o Canadá depois que um anúncio financiado por Ontário exibiu um discurso antitarifário de 1987 do ex‑presidente Ronald Reagan.
Especialistas, porém, acreditam que algum tipo de acordo comercial será fechado no futuro.
Um tratado de livre comércio com a Coreia do Sul, outra origem de veículos importados, ajudaria a reduzir os custos tarifários não só para Hyundai e Kia, mas também para a General Motors, que fabrica em solo sul‑coreano alguns dos carros mais econômicos vendidos nas suas concessionárias americanas.
O efeito moderado das tarifas acabou beneficiando também os compradores de automóveis.
As empresas não repassaram integralmente os aumentos dos custos tarifários aos consumidores, ao menos não de forma direta.
Ainda assim, as montadoras adotaram estratégias discretas para recuperar parte dos custos, como cobrar por itens que antes vinham incluídos ou descontinuar modelos com baixa lucratividade.
Consequentemente, o preço médio de um carro novo gira em torno de US$ 50.000, segundo estimativas da Edmunds e da Kelley Blue Book, um aumento de aproximadamente 4% em relação ao ano anterior.
Grandes economias com mudanças regulatórias
Enquanto as tarifas dominam as notícias sobre medidas governamentais, há um benefício menos comentado para as montadoras: a eliminação das penalidades financeiras por descumprimento de padrões de emissões.
Antes, as empresas evitavam multas por vender muitos veículos movidos a gasolina comprando créditos regulatórios de fabricantes que ficavam abaixo dos limites de emissão, como a fabricante de veículos elétricos Tesla.
Essas penalidades foram removidas na lei de gastos e impostos de julho, gerando economias bilionárias para as montadoras.
A diretora financeira da Ford, Sherry House, disse a jornalistas no mês passado que a empresa não comprará mais os US$ 2,5 bilhões em créditos regulatórios que havia planejado adquirir.
Ives afirmou que deixar de comprar esses créditos deverá reduzir o custo de fabricação de um veículo em cerca de 3% a 5%.
As montadoras também ganham margem para vender mais caminhões grandes e SUVs de maior rentabilidade, segmentos que antes eram restringidos pelos limites de emissões.
De fato, a Ford anunciou que aumentará a produção das suas F–150 e F–Series SuperDuty em mais de 50.000 unidades em 2026 para suprir a demanda.
A GM também revelou planos de converter uma de suas fábricas em Michigan de produção de veículos elétricos deficitários para modelos a gasolina mais lucrativos.
“Com o desaparecimento dos custos regulatórios, o panorama para a saúde da indústria ficou muito melhor do que se esperava”, afirmou Schuster.
“As perspectivas de curto prazo são bem mais favoráveis do que em abril”, completou ele.







