A entrada das peças no Brasil sem declarar à Receita e a apropriação pelo presidente estão irregulares. O entendimento do Tribunal de Contas da União (TCU) é de que os ex-presidentes só podem ficar com lembranças de caráter personalíssimo como roupas e perfumes.
Pela legislação, além de declarar formalmente que se tratava de um presente de um governo para o outro, as peças deveriam ser encaminhadas para o acervo público da Presidência.
O Estadão teve acesso a documentos oficiais que mostram que o pacote foi entregue no Palácio da Alvorada, residência oficial dos presidentes da República. O recibo indicando que Bolsonaro recebeu as joias de diamantes às 15h50 do dia 29 de novembro de 2022 foi assinado pelo funcionário Rodrigo Carlos do Santos. O documento traz uma pergunta sobre se o item foi visualizado por Bolsonaro. A resposta do funcionário público: “sim”.
Após perder a eleição para o petista Luiz Inácio Lula da Silva, Bolsonaro requisitou as joias faltando um mês para encerrar seu mandato e deixar o Brasil rumo aos Estados Unidos, onde está desde 30 de dezembro.
Antes, as joias estavam guardadas no Ministério de Minas e Energia. Os diamantes chegaram ao Brasil em outubro de 2021 trazidos pelo então ministro Bento Albuquerque. No mesmo voo, estava o assessor do ministro com outro estojo da marca Chopard, contendo um colar, um par de brincos, relógio e anel estimados em 3 milhões (R$ 16,5 milhões). Essas últimas peças, porém, foram apreendidas pela Receita Federal quando o assessor do ministro também tentou entrar com elas ilegalmente no País, como revelou o Estadão.
VERSÃO
Os documentos contrariam a versão de Bolsonaro, que no último sábado, após evento nos EUA, disse que não pediu nem recebeu presente em joias do governo saudita. “Estou sendo crucificado no Brasil por um presente que não pedi nem recebi. Vi em alguns jornais de forma maldosa dizendo que eu tentei trazer joias ilegais para o Brasil. Não existe isso”. À CNN Brasil, Bolsonaro repetiu a mesma versão.
Foi o próprio ex-ministro de Bolsonaro quem revelou que as joias eram para o ex-presidente. Em entrevista ao Estadão, Bento Albuquerque contou detalhes. Disse que ele e sua comitiva estavam deixando a Arábia Saudita, onde participaram de um evento representando Bolsonaro, quando um representante do regime os encontrou no hotel e entregou dois pacotes. Segundo ele, o conjunto de brilhantes avaliado em R$ 16,5 milhões era um presente para a primeira-dama Michelle Bolsonaro.
O outro pacote era para o então presidente. “Isso era um presente. Como era uma joia, a joia não era para o presidente Bolsonaro, né… deveria ser para a primeira-dama Michelle Bolsonaro. E o relógio e essas coisas, que nós vimos depois, deveriam ser para o presidente, como dois embrulhos”, disse ele.
Ao desembarcar em São Paulo, a comitiva pegou um voo para Brasília e trouxe o segundo estojo, sem passar pela alfândega, como o próprio ex-ministro admitiu na entrevista ao Estadão. “Quando nós chegamos em Brasília, nós abrimos o outro pacote, que tinha relógio… era uma caixa de relógio… não sei se… tinham mais algumas coisas, e era um presente. Então, o que nós fizemos? Nós pegamos, fizemos um documento, encaminhamos para a Receita Federal ou para o Serviço de Patrimônio da União… não sei, quem fez isso foi o gabinete (do MME).”
O advogado Frederick Wassef, que representa o ex-presidente, declarou que Bolsonaro, “agindo dentro da lei, declarou oficialmente os bens de caráter personalíssimo recebidos em viagens, não existindo qualquer irregularidade em suas condutas”.
CGU
A Controladoria-Geral da União (CGU) decidiu instaurar ontem investigação para apurar o caso. Segundo a CGU, órgão do governo federal responsável pela defesa do patrimônio público, transparência e combate à corrupção, a medida foi tomada “em razão da complexidade da apuração, já que envolve autoridades e servidores de órgãos diferentes”. O caso também passou a ser apurado pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal, em São Paulo.
A investigação preliminar pode resultar em instauração de processo administrativo disciplinar para responsabilização dos servidores possivelmente envolvidos; ou celebração de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), caso se entenda que a infração tem menor potencial ofensivo.
O inquérito aberto pela PF vai correr em sigilo na Delegacia Especializada de Combate a Crimes Fazendários da superintendência da corporação em São Paulo. Os investigadores têm 30 dias para concluir a apuração. Umas das primeiras medidas deverá ser o depoimento de integrantes da comitiva que trouxe as joias da Arábia Saudita.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.