Já pararam para pensar no poder de uma história? Aquela coisinha que te faz esquecer o boleto, a loucura da terceira ponte na hora do rush ou se a próxima temporada da sua série favorita vai prestar? Pois é. E se eu te disser que, para milhões de crianças brasileiras, a história certa não é só entretenimento, mas sim um superpoder?
Eu, como um colunista apaixonado por histórias, principalmente as que respiram cultura, mergulhei num tema que mistura o glamour do cinema, a verdade do teatro da vida e o evento literário que está florescendo nas prateleiras: a representatividade negra na cultura infantojuvenil. E sim, tem um conterrâneo nosso no meio dessa revolução!
Afinal, a gente sabe que crescer sem se ver nas páginas é tipo ir a uma festa à fantasia e descobrir que o seu herói favorito não é igual a você. A ausência de rostos diversos na mídia e na literatura, por muito tempo, criou um vácuo. E a gente tá aqui pra falar de quem está preenchendo esse espaço, seja em Hollywood ou aqui no ES!

Se você é da geração que viu a virada do milênio, com certeza lembra do frisson em 2009 com a chegada de Tiana, em A Princesa e o Sapo. A Disney, aquela que nos vendeu a ideia de que o “felizes para sempre” só vinha com castelos na Europa e cabelo liso, finalmente nos deu uma princesa preta. A atriz Anika Noni Rose, a voz original de Tiana, capturou o essencial: essa inclusão abriu caminhos para novas formas de imaginar o mundo. Tiana, ambientada na vibrante Nova Orleans, com sua cultura afro-americana rica, não só se tornou a primeira princesa negra da Disney, mas também uma heroína que sonha em ter o próprio restaurante. Não é só sobre um vestido bonito; é sobre resiliência, trabalho e empoderamento.
Pergunta Solta: Quantas vezes você, quando criança, se viu como o protagonista de um conto de fadas? Se a resposta não for “muitas”, é exatamente por isso que Tiana e outros personagens são tão vitais. Eles nos ensinam que o nosso rosto cabe em todos os lugares, dos quadrinhos aos palcos.
Aí nós vamos direto ao ponto: a importância dos livros para crianças pretas se reconhecerem. Não é só ler, é um ato de pertencimento e construção de autoestima.
Imagina só: crescer vendo só modelos eurocêntricos. Príncipes nórdicos, princesas de pele clara, cabelos perfeitamente lisos. Quando uma criança preta folheia um livro e encontra um personagem que reflete seus fenótipos, seu cabelo crespo, sua história, acontece uma mágica. A literatura vira um espelho, não só uma janela. E isso é fato, não apenas poesia. Autores brasileiros como Conceição Evaristo, Kiusam de Oliveira, Sonia Rosa, Heloisa Pires Lima e Oswaldo Faustino estão nesse front de batalha. Eles criam pontes para que as crianças negras saibam: “eu posso ser tudo o que quiser, porque já houve quem foi antes de mim.”

E aqui na nossa terra, quem está mandando o recado é o ator, poeta, MC e slammer de Vila Velha, Jhon Conceito. Conhecido na cena da poesia periférica, Jhon Conceito, surgiu após uma trajetória no rap e na composição, e sua obra literária reflete sua vivência e identidade cultural. Nascido em Vila Velha–ES, é ator, poeta, MC, articulador cultural, compositor e slammer. Ele se destaca na literatura periférica e em composições, e atualmente realiza formações em escolas sobre comunicação não violenta e letramento racial, atuando com turmas que vão desde o Ensino Fundamental 1 até o EJA. Atua como mediador em espaços educacionais e culturais, trabalhando com juventudes em contextos vulneráveis. É integrante do coletivo Literatura Marginal – ES e fundador do Slam Botocudos, primeiro evento/batalha de poesia falada do Espírito Santo. É autor de livros de poesia como Meus Versos (2014), Palavras Mortas (2016) e Depois do Nada (2017). Em 2020, escreveu o livro Poesia dá Cadeia, que retrata o cotidiano, os sonhos e as lutas das periferias, entre violência, racismo e homofobia.
Sua nova obra, “Erê”, é um livro infantil, obra que reafirma sua trajetória de resistência e ancestralidade poética e que celebra a infância preta, a imaginação e a força dos quintais.
A frase-chave de Jhon, inspirada em sua jornada no rap, é: “Palavras facas que cortam seu alívio”. Ele explica que a poesia dele não é só para contemplar, mas para ser incisiva, para questionar e para transformar o social. É poesia com soco, mas neste caso, é um soco poético e gentil.

O Desafio do “Erê”: Jhon admite que escrever para crianças é um dos maiores desafios. Mas o resultado é tocante, com ilustrações do talentoso Cadu (@illustradu), que trouxe para o livro aquele “gosto de casa de vó e esconderijo no quintal”.
O mais bonito? O prefácio é escrito pelas filhas do autor, Maitê (14) e Ana Sophia (8), que trazem uma perspectiva simples e pura sobre a magia da imaginação:
Ana Sophia: “Às vezes a gente não tem dinheiro pra comprar uma roupa da moda ou um brinquedo que quer muito, mas a imaginação é maior do que isso.”
Maitê: “Tem gente que só faz livro de gente branca, e eu acho engraçado isso. Não é que branco não tenha criatividade, mas eu penso que a gente também tem, e muita.”
Elas, mais do que ninguém, mostram o ponto central: a criatividade é a arma de quem não tem o material, e a representatividade na literatura é a forma de dizer: “Você não está só, e sua criatividade é válida.”
O texto da curadora do livro, Daniela Barretto Andolphi, resume bem: “Eu escutaria diante de um pelotão de encantamento, que a dureza de uma infância é mais comum em quem tem na pele a cor da noite de lua. […] Prazer, meu nome é Erê”.

Concluindo, quero dizer que Livros são sementes. Quando uma criança preta se vê representada nas páginas, ela floresce. E quando floresce, todo o jardim da sociedade (que somos nós) ganha cor, diversidade e consciência.
É uma honra ver um capixaba como Jhon fazendo parte dessa mudança essencial. Para a próxima geração, as portas não estão só abertas; elas estão coloridas, cheias de fantasia e, o mais importante, cheias de representatividades.
Pense em quem você pode presentear com um livro que não apenas abra uma janela, mas que sirva de espelho. A literatura é o evento social mais transformador que existe. Qual história você vai ajudar a contar hoje?
SERVIÇO
Evento: Lançamento de livro | “Erê”, de Jhon Conceito
- Categoria: Apresentação
- Data: 19 de novembro, quarta-feira
- Local: Sala da Palavra, Centro Cultural Sesc Glória
- Horário: 14h
- Classificação: LIVRE
- Duração: 120 min
- Ingressos: lets.events/organizer/sescgloria e bilheteria do Sesc Glória
- Valores: Gratuito








