Quem já leu Sigmund Freud, deve ter percebido que o título deste artigo é referência a um dos livros de Freud. Porém, aqui não vou falar de psicologia em si ou do Freud, mas de um “novo mal-estar na civilização”.
Se você acompanha as novidades sobre as taxações, pode ter visto a tentativa do governo Lula em taxar bets e fintechs, ou pode ter assistido o bafafá da CPI das bets. A princípio, cassinos e casas de jogos de azar no Brasil são proibidas, mas isso não impediu que bets surgissem no Brasil, principalmente porque não estão em território nacional. Geralmente essas bets são sitiadas em paraísos fiscais, como Curaçao e Malta (Sites de apostas dominam futebol do Brasil e operam de Curaçao e Malta, UOL). Além de operarem em outros países, essas plataformas de apostas são “protegidas” no Brasil, na reportagem feita pelo Brasil de Fato, “Secretaria classifica dados de bets estrangeiras em operação no Brasil como ‘sigilosos’; regras preveem até 80% de capital externo”, explica que “A lei que regulamentou o funcionamento das bets no Brasil estabeleceu que só estão autorizadas a atuar no país companhias que tenham um domicílio fiscal brasileiro e um sócio brasileiro com pelo menos 20% do capital da companhia. Ou seja, há uma brecha para que até 80% do capital das bets estejam vinculados a estrangeiros”.
Como parte do capital interno vai para fora, nos jogos feitos nessas plataformas, a tentativa do governo é recuperar alguma parte desse capital. O dinheiro sai do Brasil, mas não volta. A taxação das bets tinha sido retirada da Medida Provisória na votação do Congresso. Agora, “Lula dobra aposta e fará campanha para emplacar taxação a bets e fintechs” (Veja). Essa campanha já fazia parte da taxação BBB (bancos, bilionários, bets e big techs), nem sempre vemos as big techs incluídas nessa taxação porque o lobby em cima é amplamente financiado e defendido por parlamentares de centro e extrema-direita.
No caso das bets também existem conflitos de interesse, a Polícia Federal pediu autorização para o STF para investigar “Um senador e um dono de bets […]” (UOL Piauí), algo que também foi noticiado por jornais de outras linhas ideológicas, como o Metrópoles: “PF quer investigar relações entre Ciro Nogueira e dono de bets”. De acordo com as matérias, “Ciro Nogueira (PP-PI) embarcou em 22 de maio no jato Gulfstream de Fernando Oliveira Lima, conhecido como Fernandin OIG, do setor de apostas online, para assistir à corrida de Fórmula 1 em Mônaco. […] Fernandin OIG é fundador da One Internet Group, empresa da área de tecnologia, e dono das empresas de apostas 7 Games Bet, R7 Bet e Betão Bet, que oficialmente faturam 200 milhões de reais por ano, segundo uma estimativa do próprio empresário em seu depoimento à CPI” [das Bets]. Até aí tudo bem, é só uma viagem de jatinho, mas “Relatórios de Inteligência Financeira (os chamados RIFs), acessados pela CPI, mostram que Fernandin transferiu 625 mil reais para um ex-assessor de Ciro Nogueira, Victor Linhares de Paiva, entre dezembro de 2023 e 2024. No mesmo período, Paiva repassou 35 mil reais à conta pessoal do senador. Procurado, Ciro Nogueira afirmou que o valor era o reembolso de uma reserva de hotel em Capri, na Itália, e que os 625 mil reais foram o pagamento por um relógio Richard Mille, negociado diretamente entre Fernandin e seu ex-assessor”.
Para além dos absurdos montantes de dinheiro que a classe política movimenta, não só parlamentares, mas como assessores, ex-assessores e associados, aguardamos o desenrolar da investigação.
O que choca não é que “Taxação de bets, bancos e bilionários só é injusta para desinformados”, como a Agência Brasil noticiou. O que choca são as vidas de brasileiros destruídas pelo vícios em bets.
Os relatos se empilham aos montes. São manchetes como “As estratégias de brasileiros contra o vício em apostas: ‘Perdi R$53 mil e hoje meu pai controla todo meu dinheiro’” (BBC Brasil); “‘Chegava a chorar’, ‘só traz perda’: vício em ‘bets’ causa danos financeiros e psicológicos a pessoas de baixa renda” (G1); “As histórias de pessoas que perderam tudo em apostas on-line e lutam para retomar a vida” (Veja); “CPI das Bets ouve ex-viciado em apostas online” (Rádio Senado). Chegando até criadores de conteúdo, que contam os relatos para alertar suas comunidades, como fez o canal Lorelay Fox no vídeo “PERDEU TUDO! Tigrinho dando GOLPE nas pessoas!”.
A cada dia surge algo sobre a taxação das bets ou sobre o vício em bets. Na semana passada, dia 28 de outubro, a “Indústria [lançou um] manifesto por taxação de bets em 15% para financiar saúde e educação” (R7), o documento “Pela tributação das bets” propõe um imposto seletivo para o setor de apostas online, “[…] batizada de Cide-Bets (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico das Bets), foi apresentada pelo FNI (Fórum Nacional de Indústria), coordenado pela CNI (Confederação Nacional da Indústria)”.
Quando falamos de taxação, CPI ou qualquer outra coisa que envolva bets, precisamos sempre lembrar das pessoas que sofrem com uma plataforma que só tem um objetivo: LUCRO. A sua perda é o lucro das bets. Demorou para que tivesse uma CPI, que surgisse a proposta de taxação, até que tudo isso acontecesse a campanha do governo ganhasse tração, há ainda “As vítimas silenciadas das Bets” (Jota), e aqui replico os dados dessa notícia: “A tragédia se instala em silêncio. Segundo dados da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp/Lenad), 10,9 milhões de brasileiros já apresentaram comportamento de risco relacionado a apostas, e 1,4 milhão sofre de transtorno do jogo – um vício reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Entre adolescentes de 14 a 17 anos, o quadro é ainda mais preocupante: 55,2% dos apostadores estão na zona de risco para desenvolver problemas graves de dependência, enquanto entre adultos esse índice é de 37,7%”.
O estrago já foi feito. A taxação é necessária, mas é paliativa. A regulamentação e fiscalização dessas plataformas é mais urgente para proteger a população, principalmente nossos adolescentes. Toda medida ou política pública para aliviar as desigualdades sociais é bem-vinda, assim menos pessoas buscaram desesperadamente essas plataformas de apostas online para tentar ganhar alguma migalha.
No fim, o mal-estar da nossa civilização não é somente as bets, mas elas tem alto poder destrutivo. Utilizo das palavras do dirigente sindical, Lourival Figueiredo Melo, que escreveu a notícia citada anteriormente, sobre as vítimas silenciadas das bets, para desenhar o retrato de injustiças que assistimos de camarote, que deveria nos mobilizar como classe trabalhadora:
“Neste país, é lamentável constatar que muitos homens públicos passam a maior parte do tempo em debates intermináveis, discursos vazios e disputas de poder, enquanto ignoram um drama crescente que atinge milhares de brasileiros: as vítimas das apostas esportivas online, as chamadas Bets. O grito dessas pessoas – famílias endividadas, jovens viciados, trabalhadores desesperados – não é ouvido pelo Executivo, nem pelo Legislativo, tampouco pelo Judiciário”.







