A professora de química María Intencipa sente falta dos velhos tempos — no caso, o ano passado — quando sua pequena escola na zona rural da Colômbia estava protegida da revolução da inteligência artificial por causa de seu isolamento geográfico.
A Escola de Ensino Médio Rural José Gregorio Salas, onde ela trabalha, não tem computadores suficientes nem internet confiável. Poucos alunos conseguem pagar por smartphones de ponta ou por pacotes de dados que suportam ferramentas de inteligência artificial de última geração.
María Intencipa tinha ouvido falar do ChatGPT, mas percebia que poucos de seus alunos o utilizavam. Em 2023, alguns começaram a cochichar sobre a ajuda da “Lucia”. Ela pensou que fosse o nome de uma tutora, mas, na verdade, se referiam ao aplicativo Luzia, que transforma o WhatsApp em um bot de IA.
No ano passado, a inteligência artificial se espalhou por quase todas as aulas. Professores em toda a escola notaram um aumento repentino de respostas de qualidade incomum, que não se pareciam com o trabalho típico de seus alunos. De repente, trabalhos e redações passaram a apresentar argumentos eruditos, vocabulário sofisticado e pontos que não haviam sido ensinados em sala de aula ou nos livros didáticos.
María Intencipa confessou que, quando passa dever de casa, os alunos usam IA, pois é mais fácil. Apesar do “surto de genialidade”, os professores notaram que mais crianças estavam sendo reprovadas nos testes.
Expansão da Inteligência Artificial
A partir de julho de 2024, a IA passou a estar, de repente, em todos os lugares da América Latina, depois que a Meta Platforms começou a incorporar chatbots em seus aplicativos em toda a região, independentemente da vontade dos usuários. Facebook, WhatsApp e Instagram passaram a hospedar vários bots de IA.
Os alunos da Escola de Ensino Médio Rural José Gregorio Salas passaram a usá-los para fazer a lição de casa. Essa pequena comunidade de agricultores e criadores de gado já não estava mais protegida da revolução da IA, que estava transformando a educação em todo o mundo. Os novos bots estavam embutidos nos aplicativos que todos já usavam. A Meta havia ajustado seus aplicativos para o consumidor de mercados emergentes, tornando-os mais baratos de usar e projetando-os para funcionar com celulares menos sofisticados e conexões instáveis.
O ChatGPT, pioneiro em chatbots de IA pela OpenAI, domina nos EUA, mas para muitos estudantes na Colômbia, os chatbots da Meta se tornaram as ferramentas preferidas. A Meta tem um acordo controverso com operadoras de telecomunicações que restringe alguns usuários, em planos de dados mais baratos, a usar apenas aplicativos e sites específicos, incluindo os da própria Meta.
Desafios Educacionais na Colômbia
Professores como María Intencipa e Luisa Cárdenas, da Colômbia, temem que seus alunos percam anos de educação básica, já que os métodos de ensino tradicionais deixaram de ser eficazes.
“Aqui, o Facebook é rei”, declarou Luisa Cárdenas. Seus alunos simplesmente copiam o que aparece nos chats, sem analisar o que estão reproduzindo. Alguns chegam a se formar sem dominar a leitura e a escrita, acrescentou a professora.
Mesmo antes dessas mudanças, a Colômbia já enfrentava enormes desafios educacionais. Apenas 54% dos alunos concluem o ensino médio, deles apenas 11% atingem níveis aceitáveis em leitura crítica, matemática e ciências naturais, segundo o Observatório de Realidades Educativas da Universidade Icesi.
Os estudantes colombianos ficaram na pior colocação em pensamento criativo entre os países avaliados pelo Programa Internacional de Avaliação de Estudantes da OCDE.
Os alunos reconhecem que o atalho oferecido pela IA é tentador e fácil. Ele os ajuda a evitar a monotonia das aulas e a ganhar mais tempo para interagir com pessoas reais (nas mesmas plataformas onde encontram os bots).
Riscos da Inteligência Artificial
“Eu peço tudo para ele. Quando me dão um trabalho, eu só pesquiso e copio. Não leio nem nada. Às vezes eu me pergunto se o que o bot está dizendo é verdade, mas a verdade é que ele me ajuda a economizar tempo”, contou Sergio, um estudante de 16 anos.
Em abril, um relatório da organização Common Sense Media afirmou que as ferramentas de IA representam riscos inaceitáveis para jovens menores de 18 anos, já que podem provocar dependência emocional e fornecer conselhos impróprios.
Estudos indicam que o mau uso da IA pode prejudicar crianças. Um estudo demonstrou que, embora esses recursos sejam úteis na redação, a dependência deles podem reduzir a atividade cognitiva.
Uso Positivo da Inteligência Artificial
A IA pode ser uma ferramenta valiosa para tarefas repetitivas que professores sobrecarregados precisam realizar. Um relatório destacou que a IA pode personalizar experiências educativas e reduzir o tempo gasto em tarefas rotineiras.
Professores colombianos têm utilizado ferramentas de IA para acesso a materiais pré-elaborados e realizar correções mais ágeis. Estes recursos ajudam a aliviar a carga de trabalho de professores que lidam com até mais de 100 alunos por semana. O cenário brasileiro mostra que o uso limitado de smartphones na sala pode melhora a concentração e o desempenho dos alunos.
O governo colombiano afirma que promove o uso seguro e gradual da IA. Porém, diferentes ferramentas de detecção de textos de IA e novas formas de avaliação foram necessárias. É preciso considerar abordagens que vão além do conteúdo escrito, favorecendo aspectos verbais e práticos de aprendizagem.
Na pequena cidade de Guatavita, o professor Byron Giral utiliza encenações para estimular o engajamento. Ele escolhe temas complexos locais, para os quais a IA provavelmente não tem familiaridade, e faz os alunos debaterem.
Como resultado, eles precisam pensar criticamente, comparado a apenas entregar trabalhos escritos. Já María Intencipa, decide abandonar o dever de casa tradicional. Ela orienta os alunos a estudarem durante as suas aulas, assegurando assim que eles respondam com o seu próprio conhecimento.
