quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Por que a IA não consegue prever inundações como as de Valência a tempo?

A inteligência artificial (IA) é capaz de identificar tumores a partir de milhares de imagens, intervir de forma precisa em uma operação cirúrgica, descobrir antibióticos e proteínas, avaliar comportamentos de mercados ou otimizar um processo industrial, entre outros usos. No entanto, essa habilidade tecnológica é muito limitada diante de fenômenos adversos como as inundações, as catástrofes mais danosas após os terremotos (incluindo tsunamis). As inundações afetaram, em duas décadas, 2,5 bilhões de pessoas, matando um quarto de milhão delas e causando danos avaliados em 936 bilhões de dólares, segundo a base de dados mundial sobre desastres naturais (EM-DAT) da Universidade Católica de Lovaina (Bruxelas). No entanto, os desenvolvimentos para prever e evitar seus efeitos ainda não são eficazes, apesar de serem um dos objetivos de gigantes tecnológicos e instituições em todo o mundo. Por quê?

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“Os modelos climáticos existentes não são muito bons para certos fenômenos meteorológicos extremos, que estão aumentando muito mais rápido no mundo real em comparação com o que os modelos nos dizem que deveria acontecer. É importante prever os extremos para que possamos ter alertas antecipados”, explica Dim Coumou, especialista em climatologia da Universidade de Amsterdã (Países Baixos).

Um dos obstáculos para previsões precisas é a informação disponível para treinar a inteligência artificial. Embora exista informação de décadas, esta pode não ser relevante para entender os fenômenos mais adversos. “Os eventos extremos são, por definição, raros. Assim, nem sempre temos muitas observações. Esse é um grande obstáculo se queremos utilizar métodos de inteligência artificial”, detalha Coumou na Horizon.

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A IA fornece resultados com base em padrões observados por meio da análise de uma enorme quantidade de dados. Pode identificar um tumor a partir de uma imagem se tiver milhares a mais para comparar e estas forem de qualidade e já validadas por diagnósticos precisos. “A IA precisa de grandes quantidades de dados de alta qualidade para ser útil para a ciência e as bases de dados que contêm esse tipo de dados são escassas”, alerta David Baker, recente prêmio Nobel de Química por desenvolver sistemas de inteligência artificial abertos que criam novas proteínas.

À falta de dados sobre fenômenos raros se soma a dificuldade de prever com exatidão um evento meteorológico tão dinâmico e complexo como uma dana (depressão isolada em níveis altos), que ocasiona fortes chuvas e tempestades que podem ser muito localizadas e variáveis em intensidade. Seu comportamento é errático em função de múltiplos fatores, como as temperaturas do ambiente, umidade, pressão, ventos, orografia e as interações com outros elementos geográficos e atmosféricos.

Nem mesmo os dados antecipados com muito tempo garantem um padrão preciso para saber quando e onde ocorrerá com exatidão. E mesmo que esses dados mostrassem um modelo confiável de precipitações, são insuficientes para eliminar as incertezas. “As tempestades muito intensas não causam danos automaticamente. Há muitos outros fatores em jogo”, alerta Kevin Collins, professor de Meio Ambiente e Sistemas da Open University do Reino Unido ao Science Media Center.

Os professores da Universidade de Lleida, Víctor Resco de Dios e Domingo Molina, concordam. “Não basta saber quanto e onde vai chover, mas também precisamos estabelecer como essa chuva se transformará em inundações e quais serão as áreas potencialmente afetadas”, escrevem na The Conversation.

A fugaz variabilidade de todos os fatores implicados, a dispersão e escassez de dados específicos sobre fenômenos extraordinários e a heterogênea qualidade destes limitam a inteligência artificial para identificar um padrão e gerar um mecanismo de prevenção e alerta. Desenvolver um sistema que tivesse uma capacidade de antecipação de apenas 24 horas, segundo a Comissão Mundial de Adaptação, “reduziria em 30% os danos”. Estes, segundo um estudo na Nature Communications, atingem 143 bilhões de dólares anuais (cerca de 133 bilhões de euros), mais do que a média registrada pela EM-DAT ao incluir uma avaliação das perdas humanas.

Dessa forma, a chave não é apenas a confiabilidade da previsão, mas sim o tempo de antecipação. “Uma previsão, mesmo que precisa, não tem nenhum valor como informação se não chega cedo o suficiente para reduzir significativamente as vítimas e os danos à propriedade causados pelas inundações repentinas”, explica Geon-Wook Hwang, pesquisador do Instituto Coreano de Engenharia Civil e Tecnologia da Construção (KICT), que trabalha em um sistema para prever inundações.

Apesar das dificuldades, gigantes tecnológicos como Google ou IBM, em colaboração com a NASA, e outras instituições europeias e de outros continentes, no âmbito do plano quinquenal das Nações Unidas, trabalham para desenvolver ferramentas de inteligência artificial que facilitem uma previsão confiável a médio e longo prazo e melhorem os sistemas de alerta antecipado.

O Google DeepMind, a companhia de inteligência artificial do gigante tecnológico norte-americano, mostrou na Science um modelo de previsão do tempo baseado em aprendizado de máquina para fornecer previsões de 10 dias “melhores, mais rápidas e mais acessíveis do que os enfoques existentes”, segundo o estudo. O modelo, denominado GraphCast, superou os sistemas tradicionais em 90% dos casos testados.

O sistema que serviu de referência ao Google foi o Centro Europeu de Previsões Meteorológicas a Médio Prazo (ECMWF, sigla em inglês), que possui em Bolonha (Itália) um supercomputador com cerca de um milhão de processadores e uma potência de 30 petaflops (30.000 trilhões de cálculos por segundo). Esse centro, que utiliza a inteligência artificial em seu Sistema Integrado de Previsão (AIFS) e oferece previsões de longo prazo de eventos climáticos, antecipou as chuvas torrenciais de setembro na Europa Central.

GraphCast não requer essas capacidades e recorre ao aprendizado de máquina treinado a partir de dados históricos para fornecer uma previsão precisa de 10 dias em menos de um minuto. “Acreditamos que isso marca um ponto de inflexão na previsão meteorológica”, afirmam os autores, liderados por Remi Lam, cientista da DeepMind.

Nessa corrida, também está a IBM, em colaboração com a NASA, com uma proposta também de aprendizado de máquina. “Os modelos fundamentais de inteligência artificial que utilizam dados geoespaciais [meteorológicos, de sensores e de satélite] podem mudar as regras do jogo porque nos permitem compreender melhor, preparar e abordar os numerosos fenômenos relacionados com o clima que afetam a saúde do nosso planeta de uma maneira e a uma velocidade nunca vistas”, explica Alessandro Curioni, vice-presidente de Descoberta Acelerada na IBM.

Para Kate Royse, diretora do centro britânico de supercomputação Hartree, esses modelos “permitiriam tomar decisões mais inteligentes fundamentadas na previsão e gestão precisas do risco de inundações, que é fundamental para o planejamento futuro das cidades”.

“Um bom uso das previsões meteorológicas baseadas em IA seria complementar e melhorar nossa caixa de ferramentas de previsão, talvez nos permitindo produzir modelos para uma avaliação e interpretação precisas da probabilidade de eventos extremos”, afirma à Reuters Andrew Charlton-Pérez, professor de meteorologia na Universidade de Reading, no Reino Unido.

Uma proposta de sistema complementar é a que investigam dois centros do consórcio científico alemão Helmholtz e publicada na Nature Communications. Este modelo combina as previsões de precipitação do serviço meteorológico com dados sobre a umidade do solo, um dos fatores críticos para o desenvolvimento de inundações, e caudais para prever áreas e profundidades de inundação, bem como afetamento em construções, ruas, trechos ferroviários, hospitais ou outros elementos críticos da infraestrutura.

“As autoridades responsáveis e a população não só têm informações sobre um possível nível de água 30 quilômetros rio acima, mas também um mapa de inundação de alta resolução que mostra os impactos da enchente. Por exemplo, poderiam saber onde as pessoas poderiam estar em perigo ou quem precisa ser evacuado”, diz o hidrólogo Sergiy Vorogushyn, do Centro Alemão de Pesquisa em Geociências e coautor do estudo.

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