Naves espaciais gêmeas preparam-se para iniciar uma rota inédita e tortuosa rumo a Marte, com o objetivo de investigar por que o planeta vermelho e árido começou a perder sua atmosfera há bilhões de anos.
Denominada EscaPADE, a missão adotará uma trajetória orbital nunca antes tentada, segundo a empresa aeroespacial Advanced Space, parceira do projeto. Se obtiver sucesso, poderá servir como um estudo de caso essencial, oferecendo flexibilidade incomum para futuras expedições científicas planetárias.
A missão robótica prevê permanecer por um ano em uma “rota orbital secundária” antes de prosseguir rumo ao seu alvo final. O projeto integra o programa SIMPLEx da Nasa (Small, Innovative Missions for Planetary Exploration), que estimula universidades e empresas a conceber pequenas espaçonaves capazes de realizar pesquisas científicas com custos reduzidos.
A EscaPADE, sigla em inglês para Escape and Plasma Acceleration Dynamics Explorers, é liderada pela Universidade da Califórnia, Berkeley e está entre as iniciativas mais ambiciosas do programa.
Jeff Parker, diretor de tecnologia da Advanced Space, empresa com sede no Colorado, afirmou em tom de brincadeira que a equipe evita chamar a missão de “barata” e prefere descrevê-la como de “alto valor”. A empresa participa do projeto ao lado da Rocket Lab, da Califórnia. Segundo ele, a iniciativa oferece ciência equivalente à de missões que custam centenas de milhões de dólares, mas com orçamento reduzido.
O custo total da EscaPADE ficou abaixo de US$ 100 milhões, ante os aproximadamente US$ 300 milhões a US$ 600 milhões gastos em outros orbitadores marcianos da Nasa.
As duas sondas estão agendadas para serem lançadas pelo foguete New Glenn, da Blue Origin, marcando a primeira vez em que esse veículo transportará carga de valor científico. O lançamento está previsto para as 14h45 (horário de Brasília) de domingo, a partir da Estação da Força Espacial de Cabo Canaveral, na Flórida.
A tentativa de lançamento pode ser impactada por uma paralisação governamental caso haja adiamento após o fim de semana. A Blue Origin informou que tem trabalhado em estreita colaboração com a FAA (Administração Federal de Aviação) para viabilizar o próximo lançamento da missão EscaPADE para Marte.
Fora da “janela de transferência”
Normalmente, missões destinadas a Marte aguardam o alinhamento favorável entre a Terra e o planeta vermelho durante um período conhecido como “janela de transferência”. Essas janelas duram algumas semanas e surgem aproximadamente a cada 26 meses, permitindo trajetórias diretas.
Inicialmente, a expectativa era que a EscaPADE seguisse um caminho direto até Marte.
Contudo, uma série de atrasos no cronograma, alterações nos planos da missão e outros percalços deixou as sondas fora da última janela de transferência, que se encerrou no fim de 2024.
Em vez de aguardar até a próxima oportunidade, em 2026, os projetistas optaram por uma solução criativa: desenvolveram uma estratégia de “lançar e aguardar”, que possibilita o envio da EscaPADE em praticamente qualquer data do ano e ainda assim alcançar Marte com combustível suficiente.
Parker explicou que a proposta consiste em lançar a espaçonave a qualquer momento, permanecer em órbita até que os planetas atinjam o alinhamento ideal e então iniciar a viagem interplanetária para Marte.
Após a partida, as duas naves gêmeas da EscaPADE seguirão para o espaço profundo. Em vez de rumarem imediatamente ao planeta vermelho, dirigem-se primeiramente ao Ponto de Lagrange 2 (L2), um ponto de equilíbrio a cerca de 1,5 milhão de quilômetros da Terra.
Os pontos de Lagrange são regiões onde a ação gravitacional do Sol e da Terra se equilibra, criando poços gravitacionais que permitem às espaçonaves manter uma posição sem serem desviadas facilmente.
O L2 também proporciona, nas palavras de Parker, um ambiente de radiação relativamente favorável, onde as naves permanecerão em órbitas elevadas, fora dos cinturões mais intensos de radiação.
As sondas irão orbitar ao redor do ponto L2 em trajetórias em forma de feijão até que a próxima janela de transferência para Marte se abra no ano seguinte. Está previsto que as naves façam uma breve passagem pela Terra em novembro de 2026, quando seguirão rumo a Marte.
Independentemente do dia exato do lançamento, ambas as espaçonaves devem entrar em órbita marciana em setembro de 2027.
Uma empreitada arriscada
Apesar da inovação, o plano traz desvantagens e riscos.
Parker observou que os componentes das sondas sofrem desgaste ao permanecerem no espaço, o que aumenta a exposição a possíveis falhas.
Assumir esse risco extra foi considerado necessário para reduzir despesas; por isso, os responsáveis pela missão sabem que o sucesso não está garantido.
Outras iniciativas de baixo custo do programa SIMPLEx já enfrentaram fracassos por diferentes motivos, como a Lunar Trailblazer, interrompida por problemas de comunicação, e a LunaH-Map, que sofreu atrasos no lançamento e terminou em condições subótimas.
Se obtiver êxito, a EscaPADE pode representar o primeiro resultado positivo na estratégia da Nasa para realizar ciência planetária de forma mais econômica. Segundo Parker, uma única missão bem-sucedida já seria suficiente para validar o programa.
Parker acrescentou que, mesmo com uma taxa de sucesso em torno de uma em cada três missões, o programa SIMPLEx entregaria um valor científico muito superior ao das missões tradicionais de maior custo.








