domingo, 24 de novembro de 2024

Diretas Já: livro resgata papel da campanha na democracia

Quando a Folha convidou o jornalista Oscar Pilagallo para produzir uma reportagem sobre os 40 anos da campanha das Diretas Já, ele respondeu: “Eu faço a matéria, mas acho mais legal escrever um livro”.

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Dito e feito: ele tocou a reportagem, veiculada no caderno Ilustríssima, e lançou “O Girassol que nos Tinge: Uma história das Diretas Já, o Maior Movimento Popular do Brasil”, publicado pela editora Fósforo.

“Eu achei que havia espaço para contar a história das Diretas de maneira mais multifacetada. É claro que tem a política, mas valorizei outros campos, como a participação de atletas e artistas”, afirma Pilagallo.

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O próprio título do livro foi tirado de um documento lido por artistas em 14 de fevereiro de 1984, em frente ao Spazio Pirandello, epicentro paulistano de manifestações culturais.

A participação em peso da sociedade civil é, para ele, a principal moral dessa história, porque a população, em quase uníssono, tomou as ruas e influenciou de maneira decisiva o destino do país naqueles estertores da ditadura militar (1964-1985).

“Às vezes, as pessoas resumem esse episódio dizendo que a emenda das Diretas foi derrotada e ponto final”, diz Pilagallo. “Mas não é ponto final. É uma história que continuou depois por muito tempo, até hoje. A sociedade civil aprendeu que tinha voz.”

Tendo em mente que três quartos da população atual não era nascida ou tinha menos de dez anos em 1984, o autor de “O Girassol que nos Tinge” procurou não só contar o drama das Diretas, mas também, e talvez principalmente, pintar um quadro do ambiente político e cultural daquela época.

Em sua primeira parte, o livro apresenta os ingredientes utilizados no caldo efervescente que banhou o início dos anos 1980.

Estão lá, por exemplo, a movimentação dos operários do ABC sob comando de Luiz Inácio Lula da Silva, a inquietação da Democracia Corintiana e a agitação no mundo da música, onde artistas como Caetano Veloso, Chico Buarque, Milton Nascimento e Fafá de Belém deram o tom.

A imprensa também foi parte fundamental desse coquetel, mas não de forma monolítica. Quem se destacou foi a Folha, veículo logo apelidado de “Diário das Diretas” e no qual um jovem Pilagallo trabalhava como redator de economia.

Com editoriais inequívocos e reportagens resvalando na militância, a Folha não só ajudou a embalar as manifestações como também puxou a orelha de quem demorava a embarcar, como as Organizações Globo.

A política, é claro, não ficou de fora dessa receita. Página após página, misturam-se elementos culturais e institucionais, dando corpo ao movimento e reforçando sua importância histórica.

Em um dos capítulos, o leitor conhece, por exemplo, a aproximação improvável entre o cartunista Henfil, um cáustico detrator da ditadura, e o senador alagoano Teotônio Vilela, um político governista que se bandeou para a oposição e se tornou um dos maiores inspiradores das Diretas Já.

Em outro, ganha forma o trabalho do mato-grossense Dante de Oliveira (PMDB), um deputado federal estreante na Câmara que foi o responsável por coletar assinaturas de seus colegas e apresentar, no dia 2 de março de 1983, a proposta de emenda à Constituição para instaurar eleições diretas para presidente do Brasil.

Como não poderia deixar de ser, também há espaço para tratar do papel de Franco Montoro, Leonel Brizola e Tancredo Neves, além de Ulysses Guimarães, o “Senhor Diretas”.

Na segunda parte, Pilagallo reconstrói a sequência de eventos, pequenos ou grandes, que culminaram na votação da emenda Dante de Oliveira em 25 de março de 1984.

Nesse período de um ano, muita gente hesitou diante das Diretas ou até trabalhou contra a campanha, calculando que a prioridade deveria ser a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte —e Pilagallo não deixa de mencionar esses que tardaram a perceber os ventos da história.

Apesar de toda a energia cívica depositada na campanha, a emenda caiu no Congresso, tendo recebido 298 votos favoráveis, 22 a menos do que o necessário para ser aprovada.

Na terceira parte do livro, Pilagallo conta como foi a ressaca da derrota, mas faz questão de conectar aquele movimento à eleição, ainda que indireta, de Tancredo Neves (PMDB-MG) para a Presidência —um civil de oposição que, numa traição do destino, morreu antes de tomar posse.

Para Pilagallo, isso não afeta a análise daquela campanha. O que importa é que, no processo de fim da ditadura, a população tentou tomar as redes do próprio destino. Como ele escreve, sem as Diretas, é provável que o final dessa história tivesse sido outro.

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