Vivemos uma era em que se fala muito sobre amor, mas compreende-se pouco sobre o que ele realmente exige. O sociólogo Zygmunt Bauman chamou isso de “amor líquido” — relações que escorrem entre os dedos ao menor sinal de desconforto. Na cultura do swipe, onde 67% dos usuários de apps de relacionamento relatam “fadiga de escolha” (Pew Research, 2023), o compromisso virou sinônimo de aprisionamento. Mas e se o problema não for o amor — e sim nossa incapacidade de sustentá-lo?
O paciente é o relacionamento
Aqui está a primeira verdade que precisa ser dita: terapia de casal não é sobre um acusar o outro. O paciente não é o marido, nem a esposa. É o relacionamento — e é sobre ele que todos devem cuidar.
Diferentes abordagens terapêuticas trabalham essa perspectiva. O Método Gottman, baseado em 40 anos de pesquisa com mais de 3 mil casais, identificou que a proporção de interações positivas para negativas em relacionamentos saudáveis é de 5:1. Já a Terapia Focada nas Emoções (EFT) revela que 70-75% dos casais que completam o processo reportam melhora significativa — e esses ganhos se mantêm após dois anos.
A questão nunca é “quem está certo”, mas sim: “o que nossa relação está tentando nos ensinar?”
Quando o silêncio fala mais alto
Cíntia e Bernardo (nomes fictícios) chegaram à terapia após oito anos de casamento. Ele trabalhava 12 horas por dia; ela cuidava sozinha dos dois filhos. “Ele não me vê mais”, dizia Cíntia. “Ela só reclama”, respondia Bernardo.
Nas primeiras quatro sessões, o silêncio entre eles era ensurdecedor.
O ponto de virada aconteceu quando Bernardo percebeu que “ajudar em casa” pressupunha que aquele espaço era responsabilidade exclusiva de Cíntia. E quando Cíntia compreendeu que suas críticas constantes faziam Bernardo se sentir um fracasso como parceiro. Nenhum dos dois era vilão — ambos estavam exaustos e invisíveis um para o outro.
Após seis meses de terapia semanal, algo simples mudou tudo: Bernardo começou a perguntar “como foi seu dia?” e realmente escutar a resposta. Cíntia passou a verbalizar necessidades ao invés de acumular ressentimentos.
Hoje, dois anos depois, eles não têm um relacionamento perfeito. Mas têm um relacionamento consciente — e isso faz toda diferença.
O amor como treino cerebral
A neurociência confirma o que a prática clínica revela. Pesquisas da Universidade de Stony Brook (2011) mostram que casais de longa duração que mantêm satisfação elevada apresentam ativação intensa nas mesmas áreas cerebrais de casais recém-apaixonados: o córtex pré-frontal ventral e o estriado ventral — regiões ligadas ao prazer, recompensa e regulação emocional. Em outras palavras: amar bem é uma habilidade que se treina. Empatia, escuta ativa e validação emocional reorganizam circuitos neurais. Não é mágica — é neuroplasticidade.
Mas como todo treino, exige três elementos: técnica adequada, consistência e compromisso genuíno de ambos.
Quando a Terapia NÃO É o Caminho
Mas antes de idealizar a terapia como solução universal, preciso ser honesto com você: ela tem limites claros.
Preciso ser honesto com você: a terapia de casal não funciona para todos os casos. Ela não é indicada quando há:
- Violência doméstica — a prioridade é segurança, não preservação do vínculo
- Ausência total de compromisso de uma ou ambas as partes
- Vínculos irrecuperáveis, onde respeito e confiança foram destruídos além da reconstrução
- Transtornos graves não tratados que impedem participação efetiva
Nesses casos, o ato de amor mais corajoso pode ser reconhecer que o relacionamento cumpriu seu ciclo. Terminar com clareza e respeito também é uma forma de cuidado — consigo e com o outro.
Por que escolher o caminho difícil?
Aqui está a pergunta que me fazem com frequência: se o amor contemporâneo é tão descartável, por que alguém escolheria o difícil caminho da terapia de casal?
Como diz a Dra. Sue Johnson, criadora da Terapia Focada nas Emoções: “Não se trata de encontrar a pessoa certa, mas de ser o parceiro certo — alguém emocionalmente disponível e responsivo.”
Talvez porque, no fundo, você saiba que trocar de parceiro não resolve feridas não curadas. Que a intimidade verdadeira não surge do acaso, mas da escolha diária de permanecer, compreender e evoluir. Que existe diferença entre estar junto e construir junto.
A terapia de casal é um ato de rebeldia afetiva: uma recusa em tratar o outro como descartável. Um compromisso com a elaboração ao invés da substituição. E talvez seja também um reconhecimento de que, em tempos líquidos, a solidez não é fraqueza — é coragem.
O que a terapia realmente ensina
No fim das contas, a terapia de casal não ensina a amar o outro. Ela ensina algo mais fundamental: como amar sem perder a si mesmo.
Como expressar necessidades sem culpar. Como escutar sem se defender. Como perdoar sem esquecer o próprio valor. Como permanecer sem se anular.
Amor maduro não é ausência de conflito — é capacidade de atravessá-lo juntos, sabendo que do outro lado existe aprendizado.
Se você está lendo isso, talvez esteja se perguntando se sua relação tem salvação. A resposta não está em mim, nem em técnica alguma. Está em uma pergunta mais honesta: vocês dois ainda querem construir algo juntos?
Se a resposta for sim, a terapia pode ser o mapa. Mas o caminho, vocês precisam caminhar.
E você? O que aprendeu sobre amor que ninguém te ensinou? Compartilhe sua reflexão nos comentários — ou com alguém que está lutando pela relação.







