– Gabriela, Gabriela, finalmente achei você! – disse Laura, aproximando-se de sua irmã mais velha com um grande sorriso no rosto. Ambas estavam indo em direção ao refeitório coletivo do prédio onde moravam. – Nossa, que cara é essa? Parece até que você foi atropelada. Deixa-me adivinhar: não conseguiu dormir a noite toda, né?
A observação de Laura não foi à toa. Afinal, sua irmã mais velha estava com uma expressão de mau humor e cansaço enorme, algo que não era comum. Gabriela era alguém muito rígida com sua rotina de sono, dormindo sempre pelo menos de 6 a 7 horas por dia. Caso isso não acontecesse, ela ficava de mau humor por boa parte do dia. Portanto, não foi difícil para Laura perceber que, muito provavelmente, algo ou alguém atrapalhara o sono da irmã.
– Bom dia, Laura. Está tão óbvio assim? Eu tentei disfarçar com maquiagem, mas pelo visto ficou uma m*rda.
– Na verdade, ficou bom, mas você sabe que não conseguiria esconder nada de mim.
Gabriela deu uma pequena risadinha ao ouvir isso. Ela e Laura eram muito ligadas e, por isso, sabiam quando a outra estava mentindo ou tentando disfarçar algo. Então, mesmo que Gabriela estivesse usando a melhor maquiagem do mundo, isso nunca impediria Laura de perceber que ela estava cansada.
– Então me diga, o que perturbou o seu sono? – perguntou Laura, enquanto as duas voltavam a andar em direção ao refeitório.
– Giovanna.
– Giovanna?
– Sim, ela me mandou uma mensagem de madrugada dizendo que tinha “coisas para me revelar”.
– E o que ela revelou?
– Algo sobre grandes mudanças e destinos entrelaçados.
Sim, Gabriela mentiu para a irmã. Ou melhor, contou uma parte da verdade e omitiu os detalhes mais importantes. O motivo era que Laura ainda não estava pronta para entrar em contato com seu Arcano, pelo menos não ainda.
“Apesar de agora sabermos qual é o Arcano de todos da sala, isso não significa que todos estão prontos para recebê-los. E mesmo os que estão prontos terão dificuldades para dominar seus poderes. – Explicou Giovanna na noite passada. – Esse seu poder, por exemplo, de ver as coisas que estão escondidas, seja de forma literal ou não, é o básico das habilidades da carta da Sacerdotisa. Então, você não precisa de treinamento para usá-lo. Porém, para ter acesso completo aos outros poderes da carta, é preciso treiná-los.”
Ou seja, mesmo que Gabriela quisesse muito contar, ela teria que omitir essa informação da irmã, pelo menos por enquanto.
As irmãs então chegaram ao refeitório. Aquele lugar era lindo, parecendo até um restaurante de um daqueles hotéis de luxo. Além disso, no centro havia uma enorme mesa com uma grande variedade de alimentos: frutas, pães, ovos, doces, bebidas, etc.
– Uau! – disseram as duas irmãs, admirando a beleza do local. E não eram só elas; seus amigos e colegas também ficaram impressionados à medida que chegavam e pegavam sua comida.
– Eu realmente quero saber como o dono dessa escola consegue ser tão rico. Afinal, não é qualquer um que tem dinheiro para pagar não só essa escola de elite, mas também os dormitórios, os funcionários e tudo mais. – perguntou Bernardo, enquanto comia em uma mesa ao lado de onde Laura e Gabriela estavam sentadas. Sua voz tinha uma mistura inusitada de dúvida e um sotaque carioca ainda bem forte, apesar de ele já morar em Vitória há mais de 4 anos.
Bernardo Garcia Oliveira de Alcântara era o representante de turma masculino – a sala deles tinha dois representantes, um masculino e outro feminino, para que as coisas fossem mais igualitárias. Ele era o típico representante que a maioria das pessoas acha que só existe em mangás e animes de romance. Afinal, era inteligente, gentil, muito bom nos esportes e tinha um senso de liderança muito forte para alguém da idade deles. Por causa disso, Bernardo era o crush da maioria das meninas, não só da sala, mas também do colégio. Até Gabriela, que era mais reservada, tinha que admitir que, se fosse para namorar algum menino da sala, sem dúvidas Bernardo seria a melhor opção.
“Ele é forte, esperto e um líder nato. Faz total sentido o Arcano dele ser a carta do Imperador” – pensou Gabriela, enquanto olhava para Bernardo. – “Ele também é bonito.”
Esse último pensamento fez Gabriela se envergonhar e desviar o olhar. Laura, que sabia muito bem o que se passava na cabeça dela, apenas a olhou com um sorriso sarcástico e deu uma risadinha.
– Isso ninguém sabe, mas tenho certeza de que ele sonega impostos. – respondeu Davi, que estava sentado na mesma mesa que Bernardo. – Pelo menos essa é a teoria do meu pai, e, quando se trata de dinheiro, o meu staryy (velho) está sempre certo.
Aquilo era verdade. Afinal, Davi era filho de Ruslan Shevchenko Melnik, o principal economista da região sudeste, que trabalhava na bolsa de valores de São Paulo e era disputado pelas empresas mais importantes. A família de Davi era tão rica que ele era um dos poucos estudantes que pagava 100% da matrícula e não precisava de bolsa de estudos ou descontos.
Ah, e o motivo do nome tão estranho era que Ruslan não era brasileiro. Ele, na verdade, tinha vindo da República Socialista Soviética da Ucrânia.
No início dos anos 2000, o Brasil e a União Soviética fizeram um acordo econômico que, mais tarde, deu início a uma aliança não só entre eles, mas também com a China, a Índia e, por fim, a África do Sul. Ruslan era uma das pessoas enviadas por Moscou para ajudar nas negociações. Então, aquele clichê que todos adoram aconteceu: ele conheceu a mãe de Davi, Dolores Fortunato Ramos, uma das empresárias enviadas para as negociações. Ambos se apaixonaram, e ele resolveu ficar no país.
– É uma teoria muito forte. – admitiu Bernardo.
De fato, tudo relacionado a essa escola era um mistério. E o fato do encontro de todos eles ser coisa do destino apenas acrescentava mais mistério.