sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Negação da ditadura criou o 8 de Janeiro, diz Comissão de Anistia

Nova presidente do órgão, Eneá de Stutz e Almeida disse que falta de responsabilização “armou bomba” que levou a atos extremistas

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A nova presidente da Comissão de Anistia, Eneá de Stutz e Almeida, afirmou que a invasão de extremistas de direita à Praça dos Três Poderes no 8 de Janeiro, em Brasília, é resultado de décadas de negligência e falta de responsabilização por crimes cometidos na ditadura militar (1964-1985).

“Esquecer ou fingir que nada aconteceu no período da ditadura armou uma bomba-relógio, e essa bomba explodiu no dia 8 de janeiro”, disse em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo publicada nesta 6ª feira (3.fev.2023).

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Segundo Almeida, a “postura negacionista” com a ditadura significa um “esquecimento recalque”, ou seja, uma postura de fingir que “nada aconteceu”. “Qual é o resultado de todo e qualquer recalque? Violência”, afirmou.

A Comissão de Anistia foi criada pela Lei nº 10.559/2002 e está vinculada ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.

O órgão tem como função “analisar os requerimentos de anistia que tenham comprovação inequívoca dos fatos relativos à perseguição sofrida, de caráter exclusivamente política, bem como emitir parecer opinativo sobre os requerimentos de anistia, no sentido de assessorar o ministro da Justiça em suas decisões”, segundo o site do governo federal.

Durante os 4 anos da Presidência de Jair Bolsonaro (PL), a Comissão de Anistia foi integrada por militares, inclusive pelo general Luiz Eduardo Rocha Paiva, autor do prefácio da biografia de Carlos Brilhante Ustra, único militar considerado torturador pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Ustra, morto em 2015, nunca foi responsabilizado criminalmente pelos atos.

Para a presidente da comissão, apesar das diferenças com o golpe de 1964, a magnitude dos atos realizados neste ano não diminuem o “tamanho do risco ao qual a democracia brasileira foi submetida”.

“Foi, sim, uma tentativa de um golpe de Estado. Teve ensaio no dia 12 de dezembro [quando bolsonaristas tentaram invadir a sede da Polícia Federal], depois com a [tentativa de] bomba no aeroporto e durante todo o período desses acampamentos. O ápice foi no dia 8 de janeiro”, disse.

Segundo ela, a maior lição do episódio é que “a democracia sempre está em risco” e que é preciso “reiterar, permanentemente, a memória” do período.

Na sua avaliação, o processo de esquecimento da ditadura militar no Brasil passou pelo “desvirtuamento” da Comissão da Anistia durante os governo dos ex-presidentes Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro. Nesse período, diz, o órgão foi transformado de uma “comissão de Estado” para uma “comissão de governo”.

De acordo com Almeida, esse processo iniciou-se com a determinação de Temer de que o órgão não precisava mais pedir perdão publicamente às vítimas que tinham o direito de receber uma indenização pela perseguição durante a ditadura.

“Quando a comissão deferia [um pedido de indenização], ela fazia uma declaração de perdão. Ou seja, vocalizava, em nome do Estado brasileiro, a garantia de que a perseguição política nunca mais iria acontecer”, afirmou.

Na gestão anterior, 95% dos requerimentos de indenização julgados pela comissão de anistia foram negados, bem como o da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), presa e torturada na ditadura. Parte desses processos será revista, disse Eneá de Stutz e Almeida.

Os casos em que a pessoa provou ter sido perseguida, mas mesmo assim teve seu pedido indeferido, serão julgados novamente. Estima-se que existam cerca de 8.000 processos, dentre os julgados nos últimos 4 anos e os pendentes de análise.

Ela prevê que, caso a comissão volte a conceder indenizações, novos pedidos começarão a chegar. Defende ainda que trabalhar a memória do período militar é também entender que a violência da ditadura é a mesma que vitimiza segmentos da sociedade, como indígenas, negros, pessoas de baixa renda e ambientalistas.

“O Estado repetir essa conduta perseguidora, de ser ditador e totalitário, não podemos permitir. Enfrentar esse legado autoritário significa realmente construir o Estado democrático de Direito”, afirmou.

Invasão aos Três Poderes

Por volta das 15h de domingo (8.jan.2023), extremistas de direita invadiram o Congresso Nacional depois de romper barreiras de proteção colocadas pelas forças de segurança do Distrito Federal e da Força Nacional. Lá, invadiram o Salão Verde da Câmara dos Deputados, área que dá acesso ao plenário da Casa. Equipamentos de votação no plenário foram vandalizados. Os extremistas também usaram o tapete do Senado de “escorregador”.

Em seguida, os radicais se dirigiram ao Palácio do Planalto e depredaram diversas salas na sede do Poder Executivo. Por fim, invadiram o STF (Supremo Tribunal Federal). Quebraram vidros da fachada e chegaram até o plenário da Corte, onde arrancaram cadeiras do chão e o Brasão da República –que era fixado à parede do plenário da Corte. Os radicais também picharam a estátua “A Justiça”, feita por Alfredo Ceschiatti em 1961, e a porta do gabinete do ministro Alexandre de Moraes.

Os atos foram realizados por pessoas em sua maioria vestidas com camisetas da seleção brasileira de futebol, roupas nas cores da bandeira do Brasil e, às vezes, com a própria bandeira nas costas. Diziam-se patriotas e defendiam uma intervenção militar (na prática, um golpe de Estado) para derrubar o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Antes da invasão

A organização do movimento havia sido monitorada previamente pelo governo federal, que determinara o uso da Força Nacional na região. Pela manhã de domingo (8.jan), 3 ônibus de agentes de segurança estavam mobilizados na Esplanada. Mas não foram suficientes para conter a invasão dos radicais na sede do Legislativo.

Durante o final de semana, dezenas de ônibus e centenas de carros e pessoas chegaram à capital federal para a manifestação. Inicialmente, o grupo se concentrou na sede do Quartel-General do Exército, a 7,9 km da Praça dos Três Poderes.

Depois, os radicais desceram o Eixo Monumental até a Esplanada dos Ministérios a pé, escoltados pela Polícia Militar do Distrito Federal.

O acesso das avenidas foi bloqueado para veículos. Mas não houve impedimento para quem passasse caminhando.

Durante o domingo (8.jan), policiais realizaram revistas em pedestres que queriam ir para a Esplanada. Cada ponto de acesso tinha uma dupla de policiais militares para fazer as revistas de bolsas e mochilas. O foco era identificar objetos cortantes, como vidros e facas.

Contra Lula

Desde o resultado das eleições, extremistas de direita acamparam em frente a quartéis em diferentes Estados brasileiros. Eles também realizaram protestos em rodovias federais e, depois da diplomação de Lula, promoveram atos violentos no centro de Brasília. Além disso, a polícia achou materiais explosivos em 2 locais da capital federal.

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