sábado, 23 de novembro de 2024

A música brasileira é preta

O título deste texto pode parecer algo provocador, com pouca sustentação histórica. Afinal, há muitos compositores eruditos e populares considerados brancos como é o caso dos eruditos Lorenzo Fernandes, Villa-Lobos, Francisco Mignone, Radamés Gnattali e Camargo Guarnieri e dos populares Tom Jobim, Chico Buarque, dentre tantos outro.

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A história da música, no entanto, nos revela uma narrativa diferente, tanto na música erudita quanto entre as manifestações populares. Então vamos aproveitar as celebrações do Dia da Consciência Negra para demonstrar a importância da nossa gente preta na história da música brasileira, seja ela popular ou erudita.

Em seu livro História e música, Marcos Napolitano nos fornece duas pistas das origens  africanas de nossa música. A primeira é sobre a origem das músicas religiosas dos séculos dos séculos XVII e XIX, praticadas majoritariamente por “..mestiços ou mulatos e se organizavam em irmandades religiosas (como a Irmandade do Rosário, que congregava negros e mulatos) e produziam uma música delicada e sofisticada, voltada para a liturgia da Igreja Católica.” (p. 29)

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Além disso, até meados do século XIX a prática profissional da música era considerada como “coisa de escravos”. “A atividade de músico era vista como uma espécie de artesanato, de trabalho realizado a partir de regras de ofício e correta manipulação do material bruto do som, e não como atividade “espiritual” ligada ao talento natural.”  (p. 29)

Em outras palavras, música não era uma atividade tão nobre assim, pois sua prática era reservada aos escravizados e a elite branca não perdia seu tempo com tais atividades. Talvez isso explique porque até hoje o músico não seja tão valorizado em nossa sociedade.

Dentre os compositores eruditos, o primeiro a se destacar é o padre José Maurício Nunes Garcia. Autor de destaque no período colonial, o padre José Maurício escreveu sua primeira obra aos 16 anos, Tota Pulchra es Maria, e aos 21 já era mestre de capela de Dom João. É autor de mais de duzentas obras que incluem músicas sacras, obras sinfônicas, uma ópera, “Le Due gemelle”, músicas para teclado e modinhas.

José Mauricio Nunes Garcia – Tota Pulchra Es Maria (cpm001) – Escuta Guiada – Musica Brasilis

 

Carlos Gomes, considerado um dos maiores compositores brasileiros, era descendente de africanos escravizados. Para muitos essa informação pode parecer surpreendente, já que, em seus retratos, Carlos Gomes é representado com uma pele “mais clara”. Alguns afirmam que o compositor usava o bigode como forma de disfarçar os seus lábios grossos.

Já no século XX, com o movimento modernista muitos compositores se utilizam de elementos africanos para a criação de suas obras musicais. O que poucos sabem é que os músicos brancos da época tinham como mestre um negro, considerado um dos maiores nomes da música de concerto do Brasil. Trata-se do carioca Francisco Braga. Compôs hinos patrióticos dos quais o mais conhecido é o “Hino à bandeira”.

Francisco Braga (1868-1945) : Episodio Sinfonico (1898)

 

Além desses, outros negros contribuíram para a história da música erudita do nosso país. Dentre eles destacam-se Henrique Alves de Mesquita e Aurélio Cavalcanti.

Orquestra Petrobras Sinfonica   Henrique Alves de Mesquita

AURÉLIO CAVALCANTI (1874-1915): “Chorosa” –  Duo Limiares

A contribuição dos negros para a música popular brasileira é a mais conhecida e seria necessário um livro para mencionar somente a principal obra de cada artista. Dentre esses, no entanto, merece destaque a figura de Pixinguinha.

Considerado um dos maiores músicos de todos os tempos, Pixinguinha foi compositor, arranjador, flautista e saxofonista. Foi ele quem consolidou o choro como gênero musical de imponência durante as primeiras décadas do século XX. As suas composições mais conhecidas são Carinhoso e Um a zero, inspirado na conquista do primeiro Campeonato Sul-Americano de Futebol pela Seleção Brasileira.

Um A Zero

 

Em 1919, cria o grupo Os Oito Batutas, que em 1922 realiza uma turnê pela França. Durante seis meses os músicos brasileiros se apresentaram no Cabaret Sherazade em Paris e, após as bem sucedidas apresentações, o patrocinador da viagem, Arnaldo Guinle, presenteia Pixinguinha com seu primeiro saxofone.

Depois de ler essa breve apresentação de como se desenvolveu a história da música do Brasil e sobre quem são as suas principais figuras, fica mais fácil entender o título deste texto. Reconhecer a contribuição dos negros para a música brasileira é acima de tudo honestidade histórica e cultural.

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Ulisses Mantovani
Ulisses Mantovani
Bacharel em Música da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e Servidor Público Estadual

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