sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Dos anos de ChatGPT: do deslumbramento total à queda no ‘vale da decepção’

“É uma inovação tremenda, eu também fiquei impressionado.” “Soa muito mais natural do que a maioria dos programas similares.” “Aprendeu de forma intuitiva a manter conversas sobre quase qualquer tema.” Essas são algumas das primeiras opiniões de especialistas em inteligência artificial (IA) sobre o ChatGPT publicadas neste periódico. A ferramenta demorou poucos dias para deslumbrar tanto profissionais quanto leigos na matéria, que compartilhavam nas redes sociais fragmentos de suas conversas com o bot. De repente, qualquer um com conexão à internet podia conversar com uma máquina que oferecia respostas coerentes e bem escritas, embora nem sempre verdadeiras. Para muitos, a sensação era de estar falando com alguém, não com algo. Neste sábado, completam-se dois anos do lançamento do ChatGPT, que significou a apresentação em sociedade da IA generativa, a que produz conteúdos supostamente originais a partir de instruções humanas.

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Qual é o momento atual desta tecnologia? A fascinação inicial deu lugar a uma guerra empresarial para liderar a implementação desse tipo de ferramentas. A Microsoft se apressou a fechar um acordo de colaboração com a OpenAI, desenvolvedora do ChatGPT e Dall-E, e o Google não demorou dois meses para anunciar o lançamento de seus próprios modelos em aberto. Hoje, já se fala do que a consultoria Gartner denomina o vale da decepção: a euforia inicial gerou expectativas tão altas que, ao não serem satisfeitas de forma imediata, fizeram o interesse decair. É uma fase do ciclo natural dos hypes tecnológicos, e o habitual é que, dentro de algum tempo (menos de dois anos, segundo a Gartner), a curva das expectativas volte a subir, embora de forma mais moderada do que da primeira vez.

“Dois anos depois, os cérebros artificiais continuam sendo supercuñados estocásticos: falam com muita autoridade, parecem saber de tudo, mas o que dizem não é fruto de um conhecimento real, e sim de sua capacidade, adquirida intuitivamente, de aparentar sabedoria”, resume Julio Gonzalo, catedrático de Linguagens e Sistemas Informáticos da UNED e vice-reitor adjunto de pesquisa. O próprio Andrej Karpathy, um dos criadores do modelo GPT (que saiu da OpenAI em fevereiro), disse há algumas semanas que via sintomas de esgotamento na IA generativa: como as primeiras versões do ChatGPT já foram treinadas com quase todos os textos disponíveis na internet, as novas versões não poderão recorrer a muitos mais dados dos que já revisaram suas predecessoras. Isso fará com que os modelos não consigam melhorar muito. “Para que haja um grande salto, fará falta uma inovação na arquitetura algorítmica, como foi o desenvolvimento em 2017 dos transformers [um tipo de redes neurais chave no desenvolvimento dos grandes modelos de linguagem]”, aponta Álvaro Barbero, responsável pela análise de dados no Instituto de Engenharia do Conhecimento.

Na frente empresarial também há inquietação. Os investidores ainda não encontraram uma maneira de tornar a IA generativa rentável. A OpenAI captou em outubro 10 bilhões de dólares “para operar com flexibilidade”, que se somam aos 13 bilhões comprometidos pela Microsoft em 2023, mas essa soma pode não ser suficiente. O modelo GPT-5, anunciado inicialmente para o final de 2023, ainda não chegou, e os analistas começam a pensar que não será tão revolucionário como foi vendido pelo diretor geral da companhia, Sam Altman.

De acordo com as próprias projeções da OpenAI, a empresa não dará lucros até 2029, e, enquanto isso, está gastando cerca de 500 milhões de dólares por mês. Segundo cálculos do meio especializado The Information, que estima em 7 bilhões a fatura do treinamento de seus modelos para 2024, a OpenAI pode ficar sem dinheiro no verão próximo. “Dentro de 12 meses, a bolha da IA terá estourado”, disse o especialista em IA Gary Marcus no mês passado. “As cifras não batem, a abordagem atual estagnou, não se desenvolveu uma aplicação definitiva, as alucinações [quando o sistema inventa coisas] continuam aí, persistem os erros bobos, ninguém tem uma vantagem insuperável sobre os outros e as pessoas estão começando a perceber tudo isso.”

A revolução da IA

Considerações financeiras à parte, não há dúvida de que a ferramenta lançada em 30 de novembro de 2022 foi deslumbrante. “Do meu ponto de vista, a aparição do ChatGPT foi algo absolutamente revolucionário”, afirma Carlos Gómez Rodríguez, catedrático de Computação e Inteligência Artificial da Universidade da Corunha e especialista em processamento de linguagem natural, a área da IA que busca compreender e gerar textos. “Pela primeira vez, um mesmo sistema podia fazer tudo sem um treinamento específico. Antes, você podia criar um tradutor espanhol-inglês, mas projetando-o especificamente para isso. Aconteceu que, ao desenvolver esses sistemas maiores, o modelo foi capaz de fazer muitas coisas. Isso mudou tudo em meu campo de pesquisa.”

“A IA generativa trouxe aplicações interessantes, como resumir, escrever cartas em outros idiomas ou extrair informações de documentos, mas também aplicações erradas, como usá-las para extrair informações, quando o que fazem é prever, não buscar, ou fazer deduções, quando não raciocinam”, explica Ricardo Baeza-Yates, diretor de pesquisa do Instituto de IA Experiencial da Northeastern University (Boston) e catedrático da Universitat Pompeu Fabra de Barcelona. A IA generativa, juntamente com os geradores de imagens ou vídeos, está contribuindo para diluir a fronteira entre a realidade e a farsa com os chamados deepfakes e deu impulso a formas mais sofisticadas e baratas de ciberataques.

Inteligência artificial mostra um confronto fictício entre Donald Trump e policiais de Nova York
Imagens criadas com uma ferramenta de IA mostram uma disputa entre o ex-presidente Donald Trump e policiais.J. David Ake (AP)

Apenas três meses após o lançamento do ChatGPT, a OpenAI apresentou o modelo GPT-4, um salto qualitativo em relação à primeira versão da ferramenta. Mas nos quase dois anos que se passaram desde então, não houve avanços significativos. “Parece que com o GPT-4 chegamos aos limites do que uma IA pode fazer apenas emulando nossa intuição. Também foi constatado que a capacidade de pensamento racional não apareceu por arte mágica apenas fazendo cérebros maiores”, ilustra Gonzalo.

Onde estamos e o que ainda resta ver

O que há de mais recente em IA generativa são os sistemas multimodais, capazes de combinar vários suportes (texto, imagem e áudio). Por exemplo, você pode mostrar ao último ChatGPT ou Gemini uma foto da geladeira para que ele lhe diga o que você pode preparar para o jantar. Mas ele constrói esses resultados por intuição, não raciocinando. “O próximo passo será investigar se os grandes modelos de linguagem podem ser agentes. Ou seja, que funcionem por conta própria e interajam entre si em nosso nome. Poderiam reservar passagens aéreas e um hotel de acordo com as instruções que lhes dermos”, descreve Gómez Rodríguez.

“Acredito que os modelos de IA generativa estão chegando ao seu limite e será necessário adicionar outros elementos, como conhecimento verdadeiro (Perplexity e outros já citam as fontes que usam), lógica deductiva (IA clássica) e, a longo prazo, senso comum, o menos comum dos sentidos. Só então poderemos começar a falar de raciocínio verdadeiro”, afirma Baeza-Yates.

Isso é o que Altman prometeu para o próximo ano. Ele se refere a isso como IA geral, a que iguala ou supera as capacidades humanas. Parece claro que algo assim tardará a chegar, e que, em linha com o que diz Baeza-Yates, será necessário mais do que IA generativa para alcançar essa meta. “Os grandes modelos multimodais serão uma parte fundamental da solução global para desenvolver uma IA geral, mas não acredito que sejam suficientes por si só: precisaremos de um punhado de outros grandes avanços”, disse na semana passada Demis Hassabis, responsável pela pesquisa em IA do Google e Prêmio Nobel de Química, em um encontro com jornalistas no qual participou o EL PAÍS.

“A IA generativa não só não nos aproxima das grandes questões científicas da IA, como se pode haver inteligência em algo que não seja orgânico, mas nos desvia delas. Esses sistemas são incapazes de raciocinar, e seria necessário recorrer à IA simbólica [baseada na lógica matemática]”, reflete Ramón López de Mántaras, fundador do Instituto de Pesquisa de Inteligência Artificial do CSIC e um dos pioneiros na Espanha na disciplina, que cultiva há mais de 40 anos. Alphafold, a ferramenta desenvolvida pela equipe de Hassabis para prever a estrutura de 200 milhões de proteínas que lhe valeu o Nobel, integra 32 técnicas distintas de IA, sendo a generativa apenas uma delas. “Acredito que o futuro irá por esse tipo de sistemas híbridos”, diz López de Mántaras.

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