A Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) anunciou na sexta-feira (25) a doação do cérebro do ex-pugilista José Adilson Rodrigues dos Santos, conhecido como Maguila, que faleceu aos 66 anos. Ele lutou durante 18 anos contra a Encefalopatia Traumática Crônica (ETC), uma condição neurodegenerativa causada por impactos repetidos na cabeça, comum em esportes de contato. A doação foi confirmada por sua viúva, Irani Pinheiro, em uma coletiva de imprensa.
O cérebro de Maguila é o terceiro doado por um atleta ao Biobanco para Estudos em Envelhecimento da FMUSP. A instituição já analisou os cérebros de outros dois campeões mundiais: o pugilista Éder Jofre e o ex-jogador de futebol Bellini, que capitaneou a seleção brasileira na Copa do Mundo de 1958. Ambos tiveram o diagnóstico de ETC confirmado.
Maria Elisabeth Ferraz, coordenadora do Departamento Científico de Traumatismo Cranioencefálico da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), ressaltou a importância da doação. “A disponibilização do tecido cerebral desses atletas é fundamental para a pesquisa. O conhecimento gerado a partir dessas análises pode beneficiar a toda a sociedade”, comentou. Ela também destacou que o objetivo é desenvolver métodos de diagnóstico mais precoces. “Se conseguirmos identificar biomarcadores e realizar exames que indiquem risco, poderemos evitar novas lesões e promover a prevenção”, completou.
A Encefalopatia Traumática Crônica foi identificada pela primeira vez em 2002 pelo neuropatologista Bennet Omalu, que diagnosticou a doença em Mike Webster, um ex-jogador de futebol americano que faleceu prematuramente. O estudo subsequente gerou controvérsia e levou a alterações nas regras de segurança da NFL.
Maria Elisabeth explicou que a ETC pode resultar em sérios problemas comportamentais, cognitivos e de memória, que vão se desenvolvendo ao longo do tempo, mesmo após a aposentadoria do atleta. Ela alertou que não é necessário perder a consciência para sofrer uma lesão cerebral; impactos repetidos podem causar danos significativos ao cérebro.
Além do esporte, a neurologista refletiu sobre outras realidades que provocam traumas cerebrais. Ela mencionou dados que mostram que, em 2023, ao menos oito mulheres foram vítimas de violência doméstica a cada 24 horas em algumas regiões do Brasil. “Qualquer tipo de impacto repetido no cérebro pode levar a alterações cognitivas severas, não apenas no contexto esportivo, mas também em situações de violência”, concluiu.
Assim, a doação de cérebros, como a realizada por Maguila, representa uma oportunidade valiosa para a pesquisa médica e a prevenção de doenças que afetam a saúde cerebral de muitas pessoas.