A Polícia Federal apura supostas apropriações indevidas de verba pública provenientes da cota parlamentar destinada aos deputados federais Sóstenes Cavalcante (PL‑RJ) e Carlos Jordy (PL‑RJ). Agentes cumprem mandados de busca e apreensão nesta sexta‑feira em imóveis vinculados a ambos para investigar um alegado esquema de pagamentos irregulares sustentado por contratos fictícios com locadoras de veículos.
- Dinheiro vivo: A PF apreendeu R$ 430 mil em espécie em um endereço ligado ao deputado Sóstenes Cavalcante.
- Prévia: Antes de mirar Sóstenes e Jordy, a PF realizou uma operação contra assessores no âmbito de investigação sobre suspeita de desvio de cota parlamentar.
Como funciona a cota parlamentar
A Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar (CEAP) foi instituída pelo Ato da Mesa 43/2009, que consolidou em uma única verba a indenizatória (vigente desde 2001), a cota de passagens aéreas e a postal‑telefônica. Trata‑se de um pagamento mensal aos deputados para custear despesas consideradas típicas do mandato, como aluguel de escritório de apoio no estado, passagens aéreas, alimentação, locação de carro, combustível, entre outras.
O valor da cota varia conforme a unidade da federação, pois o cálculo considera o preço das passagens aéreas de Brasília até a capital do estado por onde o parlamentar foi eleito. No caso de Sóstenes e Jordy, o montante atual é de R$ 41.553,77, segundo informações do site da Câmara. O valor mais alto é destinado aos deputados de Roraima, R$ 51.406,33; o menor, ao Distrito Federal, R$ 36.582,46.
Sóstenes recebe um acréscimo na cota por ocupar, desde o início do ano, o posto de líder da bancada do PL na Câmara, partido com maior número de representantes na Casa. O site da Câmara aponta que parlamentares que exercem funções como líder ou vice‑líder de partido ou bloco, líder do governo na Câmara ou no Congresso, líder da minoria, presidente ou vice‑presidente de comissão permanente e representantes de partidos com menos de um centésimo da composição da Casa têm direito a mais R$ 1.353,04 mensais.
Os deputados utilizam a cota por meio de reembolso ou por dedução direta do valor da cota. Quando o valor mensal não é totalmente gasto, o saldo é transferido para o mês seguinte; é proibido, entretanto, acumular verbas de um exercício financeiro para outro.
O site da Câmara especifica quais despesas são cobertas pela cota parlamentar:
- Passagens aéreas, incluindo despacho de bagagem pessoal e serviços de acesso à internet oferecidos por companhias aéreas ou aeroportos;
- Telefones dos gabinetes, dos escritórios nos estados e dos imóveis funcionais, bem como despesas com o celular funcional do deputado, desde que as contas sejam de responsabilidade comprovada do parlamentar;
- Manutenção de escritórios de apoio à atividade parlamentar, como aluguel de imóveis, energia, água e esgoto, acesso à internet, entre outros;
- Assinatura de publicações;
- Alimentação do deputado;
- Hospedagem, exceto no Distrito Federal;
- Despesas com locomoção por locação ou fretamento de aeronaves, de veículos automotores (limite inacumulável de R$ 12.713,00 mensais), de embarcações; serviços de táxi, pedágio e estacionamento (limite inacumulável de R$ 2.700,00 mensais); e passagens terrestres, marítimas ou fluviais;
- Combustíveis e lubrificantes (limite inacumulável de R$ 9.392,00 mensais);
- Serviços de segurança por empresas especializadas (limite inacumulável de R$ 8.700,00 mensais);
- Divulgação da atividade parlamentar (vedada nos 120 dias anteriores às eleições, se o parlamentar for candidato);
- Participação em cursos, congressos ou eventos promovidos por instituição especializada (limite mensal inacumulável de 25% do valor da menor cota — hoje R$ 7.697,17);
- Complementação de auxílio‑moradia, conforme Ato da Mesa 104/88 (limite inacumulável de R$ 4.148,80 mensais);
- Aquisição de tokens e certificados digitais.
Não podem ser cobertas pela cota parlamentar despesas com bens ou serviços prestados por empresa pertencente ao deputado, a parentes ou a servidores da Câmara; pagamentos a pessoa física (exceto para locação de embarcação, táxi ou uso de aeronave); aquisição de gêneros alimentícios ou de materiais com vida útil superior a dois anos; gastos de caráter eleitoral; despesas relacionadas à participação do deputado em cursos de educação básica, graduação e pós‑graduação; entre outros impedimentos.
Mandados e apreensões
Foram cumpridos, ao todo, sete mandados de busca e apreensão determinados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Rio de Janeiro e no Distrito Federal. Em um imóvel vinculado a Sóstenes, em Brasília, os agentes localizaram R$ 430 mil em espécie.
Segundo a Polícia Federal, agentes políticos, servidores comissionados e particulares teriam atuado de forma articulada para desviar e, posteriormente, ocultar verba pública.
Nas redes sociais, Jordy afirmou ser alvo de uma “perseguição implacável” e de “pesca probatória”. Sóstenes foi procurado pela reportagem e ainda não se manifestou.
A apuração identificou que os recursos desviados eram remetidos a empresas de fachada, que então promoviam a lavagem do dinheiro. De acordo com a investigação, assessores dos dois teriam movimentado milhões.
Operação anterior
Um ano antes desta ação, a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão contra assessores ligados aos parlamentares. A operação, chamada “Rent a Car”, investigou o suposto mecanismo segundo o qual locadoras de veículos eram usadas para simular contratos de prestação de serviços e desviar recursos de cotas parlamentares. Um levantamento do GLOBO, em dezembro do ano passado, mostrou que, em 2024, os gastos de Sóstenes com locação de veículos superaram R$ 137,9 mil, quase o dobro da média entre os deputados (cerca de R$ 76,8 mil). As despesas de Carlos Jordy com locação de veículos somaram R$ 65,4 mil, ficando abaixo tanto da média geral quanto da média da bancada.








