A Câmara dos Deputados aprovou um novo projeto de lei que busca aumentar as penas para o crime de injúria racial, especialmente nos casos em que as vítimas sejam mulheres ou idosos. A proposta ainda aguarda análise do Senado, podendo trazer uma mudança significativa na legislação brasileira sobre o enfrentamento de crimes dessa natureza.
Atualmente, a legislação vigente, estabelecida pela Lei 14.532/23, já define pena de reclusão de dois a cinco anos, além de multa, para quem comete injúria racial — entendida como a ofensa à dignidade ou ao decoro de alguém baseada em sua cor, etnia ou procedência nacional. O projeto aprovado pela Câmara acrescenta uma agravante à pena, que poderá ser aumentada de 1/3 a 2/3 nesses casos específicos, o que elevaria a punição máxima para até 8 anos e 3 meses. Além disso, se o crime for praticado por um grupo, o juiz pode decidir ampliar a pena em até metade do tempo previsto.
Segundo o advogado especialista em Direito Público e Criminal, Sandro Câmara, a Lei 14.532 de 2023 já equipara o crime de injúria racial ao racismo, tornando-o imprescritível e inafiançável. Apesar disso, ele alerta que o aumento das penas por si só não é garantia de redução da incidência dos crimes. “Estudos indicam que a severidade da punição não necessariamente impede novos casos. Ainda que tenha um valor simbólico importante e contribua para conscientizar a sociedade, é preciso avançar em investigações, formação educacional e políticas públicas preventivas,” afirma.
O aumento de penas chega em um momento de expansão nas denúncias e nos registros sobre injúria racial no Brasil. De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), entre 2020 e 2023 houve um crescimento de 610% nos processos judiciais relacionados ao tema, passando de 675 para 4.798 casos. Em 2024, o Disque 100 notificou 5,2 mil violações envolvendo racismo e injúria racial, representando um aumento significativo em relação aos anos anteriores.
Apesar da legislação classificar o racismo como inafiançável e com regime de prisão severo, a realidade revela desafios na aplicação de tais medidas. Um estudo conduzido pela Faculdade Baiana de Direito, em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), mostrou que 91% dos condenados por racismo ou injúria racial tiveram suas penas revertidas em medidas menos severas, como regimes abertos ou semiabertos. No entanto, casos emblemáticos como o de Day McCarthy, condenada a 8 anos e 9 meses de prisão por injúria racial e racismo contra a filha dos artistas Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank, destacam avanços pontuais na justiça brasileira.
Entre os pontos debatidos, especialistas destacam que o endurecimento de penas pode ter impactos simbólicos relevantes, especialmente ao reconhecer a vulnerabilidade de grupos como mulheres e idosos. Já para casos envolvendo mulheres, Sandro Câmara argumenta que a abordagem deve ir além da punição e incluir conscientização social e políticas eficientes. Ele reforça que há dificuldades na elucidação das motivações dos crimes e na coleta de informações sobre o perfil dos autores, o que limita a aplicação prática das leis mais rígidas.
Por fim, embora o agravamento das penas tenha potencial para promover maior conscientização social, o projeto lembra da necessidade de complementar medidas jurídicas com esforços de prevenção, educação e investigação, algo essencial para uma redução real dos índices de criminalidade no país.