Em razão do recente julgamento pelo Supremo Tribunal Federal do Recurso Extraordinário, RE nº 1276977, muito tem se comentado sobre as possibilidades de revisão de aposentadoria, em especial da chamada revisão da vida toda. Mas afinal, o que é essa revisão? Quem tem direito? Como ela é feita? Por que ela tem recebido todo esse destaque? Antes de discutirmos a revisão em si, alguns fatos precisam ser esclarecidos.
Primeiramente a definição de “Lei de Transição” e “Direito Adquirido” e a linha do tempo das leis e regimes gerais de previdência na legislação brasileira. Compreender o que é uma “lei de transição” é algo essencial para entendermos a revisão da vida toda.
O conceito de uma lei de transição é a ideia de que em razão de uma grande mudança na legislação, que impacte um grande número de pessoas e mude drasticamente o modo de vida da sociedade, cria-se um estágio intermediário entre o que se tinha até então e o que passará a vigorar, de modo a suavizar a transição e, no caso da revisão da vida toda, o impacto financeiro.
Dessa forma, como em uma escada, na qual o intervalo entre os degraus é muito grande, o objetivo da lei de transição é criar um degrau intermediário, de forma a suavizar a caminhada e a passagem do degrau já existente ao novo, com uma altura considerável do já existente.
“Direito Adquirido”, por sua vez, é um conceito que se relaciona diretamente com o direito previdenciário, na medida em que aparece com mais frequência nas situações em que o indivíduo tem de completar algumas etapas para poder reclamar algum direito específico.
A ideia do Direito Adquirido é de que uma vez tendo o indivíduo preenchido integralmente os requisitos necessários, mudanças posteriores na legislação não o atingem. Esse conceito é tão caro ao Sistema Jurídico brasileiro que é consagrado no art. 5º, XXXVI da Constituição Federal, sendo expresso nos seguintes termos:
Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;
Uma vez compreendidos os conceitos de lei de transição e direito adquirido, podemos analisar as diferentes leis que regulamentam e/ou regulamentaram o sistema de previdência brasileiro. Para analisar o tema vamos nos concentrar nos últimos 30 anos, onde mora a controvérsia.
Durante a década de 1990, quando começou a se discutir uma reforma do sistema previdenciário, e a mudança de sua regulamentação, os legisladores cientes de que qualquer mudança seria sentida por um número imenso de pessoas, todos os que já contribuíam para a previdência, mas ainda não tinham o Direito Adquirido a se aposentarem com base na lei em vigor à época, entenderam por bem, enquanto discutiam como seria o novo regime e todos os seus detalhes, realizar uma mudança intermediária, aprovando a lei 9.876/99.
Essa lei estabelecia que no cálculo da aposentadoria do indivíduo, as últimas contribuições teriam maior peso, em razão de que, na maioria dos casos, o indivíduo tende a ter seus maiores salários ao final da vida laboral. Além disso, foram excluídas do cálculo as contribuições realizadas antes de 1994, em razão da hiperinflação vivida na época.
Ocorre que, em novembro de 2019 com a publicação, enfim, da lei de reforma da previdência, na Emenda Constitucional nº 103/19, a qual possibilitou a aplicação da regra já prevista no artigo 29, incisos I e II, da Lei nº 8.213/91, constatou-se que em alguns casos, aproximadamente 15% do total de pessoas que se aposentaram sob a vigência da lei 9.876/99, essa nova lei criava uma situação mais benéfica (um benefício de aposentadoria maior).
Assim, baseados no conceito de lei de transição e no disposto no art. 176-E do Decreto n. 3.048/1999, que preceitua que o indivíduo tem direito ao melhor benefício possível, muitas pessoas começaram a ingressar no Judiciário requerendo que os seus benefícios fossem revistos e recalculados com base na nova lei.
Mas afinal, em que casos a aplicação do artigo 29, incisos I e II, da Lei nº 8.213/91 torna-se mais benéfica que o disposto na lei 9.876/99?
Essa questão eu respondo na parte II deste artigo. Nos vemos em breve!