Muitas meninas crescem ouvindo versões idealizadas sobre gravidez e maternidade, o que condiciona a visão infantil de que tanto a gestação quanto o fato de tornar‑se mãe seriam um conto de fadas, sem dores nem incertezas. Quem já esteve grávida ou já é mãe comprova, na prática, que a experiência não se reduz a essa fantasia. Existem várias camadas não reveladas desse período, tratadas como tabus ou segredos que não devem ser expostos por completo. Nos dias atuais, porém, há uma busca por perspectivas mais sinceras e realistas da experiência feminina, e o filme Mãe Fora da Caixa, longa brasileiro em exibição no circuito nacional, surge como uma ferramenta importante nesse sentido.
Manu (Miá Mello, de Meu Passado Me Condena) é uma profissional dedicada que batalhou para alcançar sua posição e hoje comanda a gerência de um hotel de luxo. Por isso, mantém tudo sob rígido controle, organizado em planilhas, listas e cronogramas. Ela está prestes a dar à luz sua primeira filha com o marido, André (Danton Mello, de Ninguém é de Ninguém), que, por coincidência, acaba de ser promovido e passará metade da semana em viagens a trabalho e a outra metade em casa. Convencida de que conseguirá lidar com tudo sozinha e de que o bebê não a obrigará a alterar seu planejamento, Manu vira mãe e vai descobrindo, aos poucos, que nem tudo pode ser mantido sob seu comando.
Abordagem franca sobre gestação e puerpério
Adaptado da obra homônima de Thaís Vilarino, que também virou peça com a própria Miá como protagonista, o principal mérito de Mãe Fora da Caixa é tratar gestação, maternidade e puerpério de modo direto, sem romantizações e com naturalidade. A narrativa mostra uma protagonista que se transforma em mãe à medida que compreende e descobre como as rotinas e demandas funcionam para ela e para a filha, para o bem e para o mal, enquanto o tempo segue seu curso para ambas, como acontece na vida, e ressalta a relevância de uma rede de apoio para a mãe.
À vontade dentro do tema e desse universo, Miá Mello brilha em Mãe Fora da Caixa, tanto por seu carisma natural quanto por aproximar o espectador das inquietações de Manu sem esforço. Malu Valle, que vive a mãe da protagonista, empresta um tom leve e bem‑humorado que só quem já passou por aquela fase e sabe quando a ficha cai saberia imprimir.
Roteiro, dilemas e resoluções
Com roteiro de Patricia Corso, Patricia Leme e Clara Peltier, além da adaptação de um livro que se tornou peça, era preciso, sobretudo, dialogar com as mulheres e com o pensamento contemporâneo. A maternidade não exclui o trabalho nem o casamento, e vice‑versa; assim, Manu passa o filme inteiro tentando conciliar todas as áreas de sua vida. Por ter batalhado intensamente para conquistar o cargo que ocupa, ela encontra dificuldades em pedir auxílio, seja à mãe, ao marido ou à melhor amiga, o que exemplifica um grande dilema materno: em quem confiar quando precisa retomar a rotina? Esse conflito é o foco do filme de Manuh Fontes, cuja solução, ao final, deixa os argumentos expostos sem amarrá‑los completamente.
Mais do que uma obra de ficção, Mãe Fora da Caixa funciona como um retrato valioso da experiência materna, contado de forma direta e sem tabus.








