O jogo de videogame “The Last of Us”, com seu primeiro volume lançado há mais de dez anos pelo estúdio Naughty Dog, oferece uma narrativa pós-apocalíptica simples, baseada em trilhos, com jogabilidade pré-determinada e soluções únicas mesmo na ação. Por isso mesmo, a produção não aparentava oferecer obstáculos de tradução para outros meios.
Em um mundo tomado por zumbis criados por fungos mutantes, os sobreviventes Joel, vivido por Pedro Pascal, e Tess, interpretada por Anna Torv, acabam encarregados de transportar com segurança Ellie, encarnada por Bella Ramsey, jovem que carrega uma cura para as infecções fúngicas que dizimaram a humanidade.
No jogo, é notável o quanto assumir a perspectiva dos protagonistas Joel e Ellie é fundamental no envolvimento com a lenta aproximação emocional dos dois. Como outros projetos da Naughty Dog, isso está inscrito na mecânica do game.
É o desafio de qualquer adaptação do formato, que tece relação profunda com o público pela interação. Boa demonstração disso é o filme de “Uncharted”, baseado em outra franquia de sucesso do estúdio e que falha ao emular cenas dos jogos para fins de perfumaria.
Reproduzir a intimidade criada entre personagens e jogador quando ele se torna espectador é o desafio da adaptação de “The Last of Us” para a TV, feita pela HBO.
O incômodo vem da repetição. Se fidelidade ao material é o totem maior de respeitabilidade entre os fãs, o seriado “The Last of Us” responde à altura. Cenários e caracterizações são virtualmente idênticos, e há poucas variações entre o curso da trama do game e do seriado, comandado por Craig Mazin e o criador do jogo, Neil Druckman.
A primeira temporada reconta todo o primeiro jogo. O piloto reproduz quase quadro a quadro a tragédia do passado de Joel e fica longo e sonolento. Mas, depois, a série ganha corpo ao acontecer em duas frentes. Enquanto acompanha a jornada dos personagens no mundo devastado, usa o recurso dos flashbacks para contar histórias paralelas e relacionadas. Pouco se vê os zumbis em cena —ainda que seu impacto seja sentido quando aparecem.
Por mais simples que seja, essa nova dinâmica muda o andamento dos episódios, sobretudo para lidar com a relação de paternidade formada pelas circunstâncias entre Joel e Ellie.
Sem o grau de interação dos jogos, Mazin apela para a dramaturgia clássica, que ressignifica o presente a partir de vislumbres do passado. Nunca se esconde tal estratégia do espectador, aliás. É recorrente o ato de ver cenas inteiras repetidas por outro ângulo, e os arcos duram dois episódios para reforçar ponto e contraponto.
Mais interessante, porém, é que Mazin e Druckmann aproveitam essa reordenação para preencher o universo pós-apocalíptico, multiplicando as perspectivas assumidas. A manobra faz sentido, em especial quando se pensa que as particularidades do mundo no jogo não iam além da origem dos zumbis nos fungos.
Nesse sentido, porém, a série oscila em erros e acertos, ainda mais porque o ritmo episódico não oferece expansividade e não escapa da sensação ruim de fases a serem superadas. Como no game, é frustrante entender o status do enfrentamento dos militares com os rebeldes, apelidados “vagalumes”, bem como a lógica dos grupos isolados dentro disso. A produção também patina quando tenta verbalizar as dores dos protagonistas, ao invés de seguir implicando-as nos flashbacks e ação.
Ao mesmo tempo, são as pequenas histórias que dão a “The Last of Us” seus melhores momentos. Afinal, é na ótica do que sobrou “dos últimos de nós” que reside seu mote.
Mazin compreende isso, e permite que a história de Joel e Ellie seja a espinha dorsal do seriado. O terceiro episódio, que traz a fórceps um conto isolado de personagens secundários que apenas tangenciam a vida dos protagonistas, se destaca por encapsular a narrativa maior, que traz peso da solidão e a maneira como nossas relações funcionam como pequenas salvações.