5 de dezembro de 2025
sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Emir Mourad desconfia de um acordo que exclui a Palestina

Dois anos após Israel reduzir Gaza a ruínas, com mais de 80 mil palestinos mortos, escolas e hospitais destruídos e uma geração de crianças mutiladas e traumatizadas, autoridades internacionais reuniram-se no Egito para formalizar o denominado “plano de paz para Gaza”, elaborado sob a coordenação de Donald Trump.

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O chamado “acordo de paz” foi divulgado com pompa e aplausos vindos de Washington, mas carecia do elemento essencial: nem Israel nem o Hamas, tampouco qualquer delegação que represente legitimamente o povo palestino, participou das negociações.

Emir Mourad, secretário-geral da Confederação Palestina Latino-Americana e do Caribe (Coplac), classifica o documento como um cessar-fogo desprovido de legitimidade política e de uma perspectiva real de solução.

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“Não é um plano de paz, é uma trégua limitada”

Segundo Mourad, tanto o teor quanto o título do acordo já denunciam suas limitações.

“O plano se chama ‘plano de paz para Gaza’, não para a Palestina. Isso demonstra desde o nome que não há intenção de resolver a questão central: o direito a um Estado palestino. Falar em paz sem abordar a Palestina é contraditório”, declarou ele ao Portal Vermelho.

O dirigente ressalta que os três pontos tidos como avanços — cessar-fogo, troca de prisioneiros e entrada de ajuda humanitária — são conquistas arrancadas pelo povo palestino e não concessões do plano estadunidense.

“Esses itens foram vetados quatro vezes pelos Estados Unidos no Conselho de Segurança da ONU. Agora, os mesmos que bloquearam a paz querem se passar por mediadores. É um absurdo moral”, afirmou Mourad.

“O genocídio destruiu Gaza, não a resistência”

Mourad recorda que cerca de 80% da infraestrutura de Gaza foi arrasada — incluindo escolas, hospitais, centros de assistência e áreas residenciais — e destaca a persistência do povo palestino.

“A infância das crianças palestinas foi roubada, embora ainda encontrem motivos para manter a esperança. Esse cessar-fogo é imprescindível para deter a morte de civis, mas não constitui um processo de paz; é apenas a suspensão temporária de um massacre”, disse o secretário-geral.

O líder adverte que o acordo representa mais um capítulo na longa sucessão de promessas não cumpridas.

“O povo palestino já foi traído antes. O processo de Oslo se estendeu por mais de 30 anos e terminou em frustração. Israel jamais honrou seus compromissos. Por isso, é preciso encarar esse plano com extrema cautela.”

“Um plano sem palestinos é ilegítimo”

Um ponto de forte crítica de Emir Mourad é o fato de o acordo ter sido assinado sem representantes israelenses ou palestinos presentes.

“Como se pode propor paz para Gaza sem a presença de Gaza? Nenhum palestino assinou. Nenhum israelense assinou. Trata-se de um acordo imposto externamente, destinado apenas a legitimar uma tutela internacional sobre o território palestino”, afirmou ele.

O texto prevê a administração de Gaza por um comitê internacional, supostamente liderado por Tony Blair e supervisionado por Donald Trump, proposta que Mourad considera ofensiva.

“Trump, que abasteceu militarmente Israel e vetou cessos de fogo, agora quer se colocar como ‘presidente do Conselho da Paz’. É quase uma afronta. Os Estados Unidos não podem atuar como juízes de um conflito que ajudaram a alimentar”, criticou o dirigente.

Para Mourad, a solução legítima passaria pelo retorno do protagonismo da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), reconhecida pela ONU como representante do povo palestino.

“Mais de 160 países reconhecem o Estado da Palestina e a OLP possui status de observador na ONU. É com essa entidade que se deve dialogar, não com comitês externos ou administradores nomeados em Washington.”

“Desarmamento sem garantias é rendição”

Ao ser questionado sobre a exigência de desarmamento do Hamas, Mourad comparou o caso com outros processos de paz no mundo.

“Observe o exemplo das FARC na Colômbia: elas só entregaram as armas quando houve garantias concretas — anistia, participação política e reconhecimento de direitos. O mesmo ocorreu na Irlanda. Ninguém abandona armamentos sem garantias de Estado ou sem a segurança de não ser traído depois.”

Ele recorda o precedente dos Acordos de Oslo, assinados por Yasser Arafat na década de 1990 e descumpridos por Israel.

“Naquela época pediram para Arafat se desarmar. E qual foi o resultado? Oslo foi traído. Arafat sofreu perseguição. O povo palestino não esquece este histórico.”

A hora da pressão internacional

Para Emir Mourad, se os Estados Unidos desejam genuinamente a paz, devem empregar seu peso diplomático para forçar Israel a reconhecer o Estado da Palestina e a retirar-se dos territórios ocupados.

“Os EUA pressionaram Netanyahu para aceitar o cessar-fogo. Agora devem pressionar para que Israel aceite a solução definitiva: dois Estados, com Jerusalém como capital da Palestina. Sem isso, tudo não passa de aparência.”

Ele defende que a ONU e organizações regionais assumam papel mais efetivo, retirando o controle exclusivo dos Estados Unidos. Mourad propõe uma conferência internacional com participação plena de todas as potências, inclusive China e Rússia, atualmente excluídas das iniciativas de Trump.

“O caminho é internacionalizar o processo, sob a égide da ONU, com a participação plena da OLP. Não se pode transformar Gaza em um protetorado internacional sem soberania.”

Gaza em ruínas e o “sonho” do balneário turístico

Mourad argumenta que o plano evidencia mais o oportunismo geopolítico de seus articuladores do que a intenção sincera de encerrar a guerra. Depois que Trump e membros do governo israelense divulgaram imagens geradas por inteligência artificial mostrando Gaza redesenhada como um destino turístico para israelenses, sem palestinos, surgem dúvidas sobre a legitimidade da reconstrução.

“Como reconstruir Gaza sem incluir o povo palestino? Sem legitimidade política, isso não é reconstrução — é especulação. A intenção é transformar o território arrasado em objeto de investimento”, declarou Mourad.

O acordo, patrocinado por Donald Trump, Tony Blair e líderes árabes, prevê a criação de um fundo internacional de reconstrução, mas não detalha quem o administrará nem qual será o papel das forças palestinas locais.

As imagens de Gaza após dois anos de ofensivas mostram destruição quase total: hospitais, escolas e bairros inteiros foram apagados do mapa. “Israel e Trump falavam em converter Gaza num grande balneário turístico. Isso é uma ofensa. Não se pode apagar a história de um genocídio e substituí-la por um resort”, denunciou o dirigente da Coplac.

Mourad questiona quem financiará essas obras e quem terá benefício no processo de reconstrução.

“O que significa reconstruir Gaza? Quanto custará? Quem administrará os recursos? E, acima de tudo, quem representará o povo palestino nessa reconstrução? Não é Tony Blair, não é Trump. O único representante legítimo é a OLP, reconhecida desde 1974 por todas as cúpulas árabes.”

Sem legitimidade, não há reconstrução

Segundo Mourad, o principal problema é que a chamada reconstrução está sendo tratada como operação de mercado, sem fundamento político ou jurídico sólido.

“Um plano de paz sério precisa ser concreto, verificável e compatível com a história e o direito internacional. Este plano carece de tudo isso. É vago, contraditório e ignora o essencial: a presença das tropas israelenses em Gaza e na Cisjordânia.”

O secretário-geral observa que o texto do acordo sequer menciona a retirada das forças de ocupação e não prevê garantias de soberania territorial.

“Não se pode falar em paz enquanto a ocupação permanecer. A Cisjordânia foi esquecida, como se o problema se reduzisse a ruínas físicas, quando o cerne é o direito de existir como nação.”

O teatro de Trump e o custo político do genocídio

Mourad caracteriza a mediação de Donald Trump mais como espetáculo midiático do que como diplomacia genuína.

“Trump busca o Prêmio Nobel da Paz. Pretende aparecer como o grande encerrador de conflitos, mas é uma figura do show business, egocêntrica, que transforma tragédias humanas em palanque político”, analisou o dirigente.

Ele ressalta que, mesmo com o apoio que Israel ainda recebe na política estadunidense, o genocídio em Gaza começou a gerar custos políticos significativos.

“Israel tornou-se um alto custo para os Estados Unidos, inclusive em termos morais. A opinião pública global exerceu forte pressão. Milhares foram às ruas; houve protestos históricos em Londres, Paris, Nova York, Berlim. Até nos EUA, universidades se mobilizaram contra o massacre — a ponto de Trump retaliar cortando verbas dessas instituições.”

O desequilíbrio no Oriente Médio e a crise do sionismo

Mourad lembra que os dois anos de guerra não afetaram apenas Gaza: Israel realizou bombardeios no Líbano, Síria, Irã, Iêmen e Catar, ampliando as tensões regionais e redesenhando alianças.

“Foram dois anos extremamente difíceis para todo o Oriente Médio. Israel atacou vários países e demonstrou que a paz regional é impossível enquanto a questão palestina não for resolvida. Como dizia Yasser Arafat: não haverá paz no Oriente Médio sem o Estado da Palestina — e isso permanece válido.”

Ele destaca que a opinião pública internacional mudou, resultando no isolamento de Israel.

“Hoje o mundo compreende que o apartheid israelense precisa ser derrubado. Esse regime colonialista já não se sustenta. Inclusive muitos judeus se levantaram contra ele. O sionismo sequestrou o judaísmo, e isso causa rupturas dentro da própria comunidade judaica mundial.”

A falsa simetria entre ocupante e ocupado

O dirigente criticou com veemência a narrativa que tenta equiparar moralmente palestinos e israelenses, tratando ambos como lados simetricamente culpados.

“Falam em reféns israelenses e prisioneiros palestinos, mas os verdadeiros reféns são os palestinos, cercados por terra, mar e ar desde 2007. Há cerca de 11 mil prisioneiros palestinos nas prisões israelenses. Trata-se de ocupação, não de um conflito simétrico.”

Para Mourad, a resistência palestina configura um direito histórico e humano:

“Quando Hitler invadiu a França, a resistência francesa foi chamada de terrorista. Quando os argelinos lutaram contra o colonialismo, também foram rotulados como terroristas. Hoje repete‑se o mesmo argumento: o oprimido é criminalizado. Resistir à opressão é um direito, não um crime.”

Vitórias aparentes, derrotas profundas

Ambos os lados buscam narrativas de vitória: Israel exalta o enfraquecimento do Hamas; os palestinos celebram a sobrevivência e a solidariedade global. Mourad, porém, afirma que os ganhos israelenses são “temporários e vazios”, enquanto o fortalecimento político e simbólico da causa palestina é duradouro.

“Netanyahu afirmou que destruiria o Hamas, mas até hoje se exige o desarmamento do grupo. Se ele tivesse sido aniquilado, por que ainda pedir a entrega das armas? Essa contradição revela o fracasso militar e político de Israel. A resistência permanece viva — e mais reconhecida do que nunca.”

O secretário-geral recorda que o mundo presenciou, em tempo real, o massacre em Gaza, consolidando um novo consenso internacional.

“As pessoas assistiram ao genocídio ao vivo. Isso transformou consciências. Nunca houve tanta solidariedade à Palestina. Nas ruas, nas universidades e nas redes, existe a convicção de que nenhuma democracia verdadeira pode se manter sobre o sangue de outro povo.”

Entre impunidade e espetáculo

Mourad denuncia também a ausência de qualquer menção à responsabilização de Israel por crimes de guerra.

“Após a Segunda Guerra, houve Nuremberg. Hoje, nada. Nenhum tribunal, nenhuma investigação independente. Como se pode falar em paz sem julgar os responsáveis pelo genocídio?”

Para ele, o “acordo” promovido por Donald Trump não passa de encenação política:

“Trump quer se apresentar como pacificador e aspirar ao Nobel da Paz. Mas suas mãos estão manchadas de sangue palestino. Ele afirmou, diante do Parlamento israelense, ter enviado as melhores armas para Israel. Como, então, pode se dizer mediador de uma paz que ajudou a sabotar?”

A questão palestina como centro da paz mundial

Ao concluir, Mourad reafirma a dimensão universal da luta palestina.

“A causa palestina ocupa o centro da questão da paz mundial. Enquanto existir uma colônia no século XXI — a colonização sionista da Palestina —, o mundo viverá em desequilíbrio. É a última colônia da história moderna.”

O dirigente faz um apelo contundente:

“Palavras são bonitas, mas só a ação produz resultados. O momento é agora. Ou o mundo trata a Palestina como sujeito político, ou continuará vendo a ocupação como mera oportunidade de negócio.”

Gaza segue sob bloqueio, a Cisjordânia permanece ocupada, e o povo palestino, sem representação, é convidado apenas a assistir à “reconstrução” de sua própria tragédia.

O denominado “acordo de paz” não encerra o conflito: modifica apenas sua forma. Gaza continua sitiada, a Cisjordânia ocupada e o povo palestino desprovido de voz. Nas palavras de Emir Mourad: “A paz sem os palestinos é apenas um espetáculo. Um espetáculo montado sobre ruínas.”

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