As férias escolares costumam ser associadas à expectativa de dias na praia, com sol, descanso e tranquilidade, no entanto, para algumas famílias essa previsão fica distante por causa da sobrecarga mental que recai sobre as mães nesse período. Para muitas, surge uma extensa lista de tarefas, dúvidas sobre quem ficará com as crianças e a sensação de que tudo precisa estar impecável.
Fernanda Lopes, psicóloga, psicanalista e pesquisadora em parentalidades, esclarece que essa pressão não nasce apenas no ambiente familiar: tem raízes sociais e históricas e reflete desigualdades profundas. Antes de idealizar “férias perfeitas”, vale perguntar: quem, de fato, consegue viver esse ideal?
Para mulheres em empregos precarizados, por exemplo, o problema pode ser a ausência de férias: continuar trabalhando enquanto a escola fecha, sem alternativa para a criança. Nesses casos, a prioridade não é oferecer férias encantadas, mas assegurar uma rede de proteção, segundo a especialista.
Entre mães de classe média e alta, sobretudo em círculos que promovem uma parentalidade romantizada, aparece outra pressão: a obrigação de proporcionar experiências únicas, culturais, criativas, enriquecedoras e “instagramáveis”, com a premissa de que cabe à mãe materializar esse cenário perfeito.
Fernanda aponta que existe um imperativo de produzir uma infância encantada. Nesse movimento, o tempo livre deixa de ser espontâneo e se transforma em um espaço a ser preenchido com atividades, estímulos e episódios memoráveis. Até o descanso passa a ser algo a ser fabricado.
A sobrecarga mental tem efeitos reais no cérebro
Segundo a psicopedagoga e educadora parental Isa Minatel, a carga mental funciona como “um navegador com 867 abas abertas ao mesmo tempo”: nada encerra, nada esvazia e tudo fica mais lento e pesado.
No fim do ano esse impacto costuma se intensificar: festas, término do ano letivo, pressão no trabalho, rotina desorganizada e expectativas acumuladas. Do ponto de vista neurobiológico, isso se traduz em maiores níveis de cortisol e adrenalina, hormônios que comprometem o córtex pré-frontal, responsável por memória, atenção, planejamento e tomada de decisão.
Por isso, muitas mães relatam esquecimentos de compromissos simples, entrar na cozinha sem lembrar o motivo, decisões impulsivas ou sensação de bloqueio. “Não se trata de falta de capacidade. É excesso de tudo”, afirma Isa. Essa perspectiva neurológica ajuda a explicar o surgimento da culpa e do esgotamento, mostrando que não é apenas uma questão de organização, mas de saúde emocional e física.
Quando tudo recai sobre a mãe
A culpa costuma surgir porque a maior parte das responsabilidades recai, quase sempre, sobre as mães: cuidar, planejar, organizar, antecipar problemas, ajustar o humor das crianças, lembrar do protetor solar, preparar lanches, cuidar da logística… e ainda trabalhar como se não tivesse filhos.
Fernanda observa que essa dinâmica revela um modelo de maternidade adoecido, quase um ideal impossível de ser alcançado: “Trabalhar como se não houvesse filhos e ter filhos como se não se trabalhasse”.
Além disso, há uma expectativa histórica de que a mulher responda sozinha pelo bem-estar emocional da família, o que leva muitas mães a sentirem-se constantemente em débito: acham que não fizeram o suficiente, que não aproveitaram bem ou que não criaram memórias suficientemente bonitas.
Porém a psicóloga lembra que a culpa não é individual; ela denuncia uma falha coletiva ligada à ausência de rede de apoio, políticas públicas e corresponsabilidade social. O sentido das férias não deveria ser gerar grandes eventos: “O objetivo é poder realizar as coisas em outro ritmo. Estar junto sem pressão, permitir o improviso e receber o dia como ele vem”, complementa.
Mães que tentam conciliar trabalho, casa e filhos frequentemente esquecem que também têm direito ao descanso. Por isso, estabelecer limites é essencial neste período. Dizer “hoje não faremos essa atividade porque não dá mais” é um bom começo. Valorizar dias simples, como ver um filme juntos ou aproveitar uma tarde mais tranquila, também faz parte do cuidado.
Brincadeiras que fortalecem a convivência
A educadora parental recomenda atividades que estimulem autonomia e não demandem supervisão contínua. Entre as propostas estão:
- Ovo cozido pedagógico: deixar ovos cozidos para a criança descascar;
- Borrifador e pano para limpar superfícies;
- Estações de brincadeira rotativas, com duas ou três propostas simples para a criança circular entre elas.
Essas atividades funcionam bem porque não colocam a mãe no papel exclusivo de animadora, monitora ou condutora de todas as interações. Se a mãe participar, que seja em algo que lhe dê prazer — o descanso emocional também é relevante.
Fernanda destaca ainda que criança entretém criança. Formar redes com outras famílias alivia a rotina e enriquece as experiências infantis.
Para as mães, é importante cultivar hábitos que impeçam que a sobrecarga se torne permanente. Isa enfatiza que “o cérebro se regula em camadas e pequenas práticas geram efeitos significativos”.
- Respiração quadrada (inspirar 4, segurar 4, expirar 4, segurar 4): reduz cortisol rapidamente;
- Descarga corporal: caminhar, espreguiçar ou mover o corpo para liberar tensão;
- Regra dos três minutos de presença total com a criança: diminui conflitos e evita escaladas desnecessárias;
- Micro-pausas de 30 segundos ao longo do dia para retornar a si;
- Ambientes preparados: quando a casa é pensada para a criança, o adulto gasta menos energia controlando.
Do ponto de vista neuropsicopedagógico, a falta de rede de apoio mantém a mãe em estado de vigilância constante, um estado que desgasta profundamente o sistema nervoso.
Sem alguém para compartilhar responsabilidades, o cérebro não desliga, permanecendo no modo de sobrevivência e prejudicando regulação emocional, memória, flexibilidade cognitiva, empatia e saúde mental em geral. “Nenhum cérebro funciona bem sem descanso. E nenhuma mãe deveria ter que fazer tudo sozinha”, enfatiza a especialista.
Como evitar que a carga mental escale até o burnout materno
Para impedir que a sobrecarga das mães nas férias evolua para um burnout materno, esgotamento ocasionado por demandas excessivas e pela perda de espaço para existir além das obrigações, é fundamental reconhecer que a redução dessa carga não acontece espontaneamente. Ela diminui quando se entende que criar e cuidar é um projeto social e compartilhado.
Isa indica frentes essenciais para atuar:
- Cuidar do sistema nervoso: sono adequado, pausas curtas, técnicas de respiração e movimento diário;
- Simplificar a rotina: menos compromissos, menos urgências fabricadas, menos acúmulo de objetos;
- Construir apoio real: divisão de responsabilidades com parceiro(a), pequenas redes de suporte e recusar o papel de “resolver tudo”;
- Tornar o invisível visível: listar tarefas mentais, emocionais e práticas;
- Criar rotinas previsíveis: quando o cérebro sabe o que vem, economiza energia.
Descanso não é prêmio por cumprir todas as tarefas do ano. Descanso é condição para aproveitar a vida que se leva.







