A sensação de não ser suficientemente competente, mesmo diante de realizações concretas, não é nova. A chamada síndrome do impostor tende a se agravar com a velocidade com que tecnologias, especialmente as IAs (inteligências artificiais), passam a integrar o dia a dia. Quando máquinas geram textos, imagens, códigos e relatórios em segundos, o que sobra para a força de trabalho humana?
A psicóloga, consultora de RH e mentora de carreiras Bia Tartuce explica que essa percepção tem origens antigas, como a comparação constante nas redes sociais. Com o avanço da inteligência artificial, esse sentimento ganhou nova intensidade: muitos profissionais observam máquinas produzindo conteúdos e se perguntam, “Se a IA consegue fazer isso, qual é o meu valor?”
Para Tartuce, a resposta não está fora, mas dentro de cada indivíduo. Quando alguém já vive com insegurança ou teme ser substituído, qualquer falha ou sinal de fragilidade tende a disparar a sensação de impostor. Nesse ponto, as IAs apenas ampliam medos preexistentes.
A eficiência não se resume à velocidade ou ao volume de entregas. É verdade que a inteligência artificial fornece resultados em tempo quase real, enquanto trabalhos humanos demandam mais tempo; ainda assim, o esforço e as horas investidos pelas pessoas permitem entregar reflexão e criatividade.
O especialista em tecnologia Daniel Bichuetti considera equivocada a ideia de que a IA venha a suprimir totalmente o trabalho humano: “A narrativa da ‘substituição’ é uma simplificação técnica e econômica. A IA não está, em sua trajetória atual, destinada a substituir o trabalho humano em sua totalidade; ela está destinada a reconfigurar o trabalho humano.”
Mesmo assim, a forma como esses sistemas reproduzem tarefas cognitivas confronta a noção humana de relevância, funcionando no imaginário como um motor de insegurança e ansiedade. “O perigo é que seu uso passivo nos torne menos inteligentes”, alerta Daniel.
Escritores, designers, professores e pesquisadores estão entre os mais afetados por essa pressão, sobretudo por atuarem em campos historicamente ligados ao talento humano. Tartuce observa que profissionais criativos e intelectuais tendem a experimentar com maior intensidade o impacto causado pela inteligência artificial.
O excesso de foco em produtividade, já presente nas organizações, alimenta esse ciclo: cobranças por métricas, prazos e metas criam uma espécie de “corrida sem linha de chegada”, e existe o risco de o valor pessoal ser confundido com a quantidade de resultados. Contudo, pressão e ansiedade não cultivam uma produtividade sustentável.
Caminhos para reconstruir a autoestima
Para conter a sensação de desvalorização, Daniel aponta a necessidade de edificar uma “arquitetura de confiança”, que engloba governança ética, transparência técnica e capacitação. Ter clareza sobre os limites e os propósitos da tecnologia é essencial para evitar que profissionais se sintam diminuídos perante ela.
A cooperação, em vez da comparação, precisa ser o horizonte a buscar. Segundo a proposição, “devemos parar de falar em ‘Inteligência Artificial’ e começar a falar em ‘Inteligência Aumentada’.” Nesse paradigma, a IA amplia as capacidades humanas em vez de competir diretamente: o profissional passa de executor a curador, questionador e orquestrador.
Para Bia Tartuce, preservar a autoestima durante essa transição exige concentrar-se no que nenhuma máquina entrega. “É essencial reconhecer e valorizar o que é exclusivamente humano. A IA deve ser vista como uma colaboradora, não como uma inimiga.”
Combinar competências técnicas com criatividade, empatia, ética, sensibilidade e propósito faz toda a diferença e proporciona aquilo que as máquinas não conseguem replicar.









