5 de dezembro de 2025
sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Por que alguém se machuca intencionalmente?

Por que alguém causaria ferimentos intencionais em si mesmo? A resposta imediata é que a pessoa atravessa um estado de sofrimento. Quem pratica automutilação, em geral, não busca a morte; procura comunicar algo: um pedido de socorro.

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A autolesão integra a categoria internacional NSSI (Non-Suicidal Self-Injury), definida como automutilação sem a intenção de morrer, em que o sujeito deliberadamente provoca dano ao próprio corpo. Nessa perspectiva, a dor funciona como uma estratégia inadequada de regulação emocional.

Clinicamente, a autolesão configura um comportamento de regulação emocional e sensorial: a pessoa tenta enfrentar uma dor psíquica ou emocional insuportável e encontra no corpo um meio de expressar, controlar ou tornar essa dor “visível”.

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Torna-se essencial ajudar o indivíduo a decodificar o ciclo de dor, alívio e mais dor (autolesão). O texto contou com a colaboração do psicólogo e psicanalista Otávio Augusto de Melo, mestre em Psicologia Social.

Ouvir é o primeiro passo

A realidade que a pessoa sente e relata deve ser o ponto de partida. A automutilação é um sintoma e, portanto, uma forma de comunicação — um recurso que, mesmo confuso no início, revela aspectos relevantes. O comportamento traduz o funcionamento do psiquismo e pode ter significados destrutivos ou criativos.

Uma atitude recomendada é ouvir a pessoa, abrir espaço para a fala para que ela consiga externalizar o sentido de ferir-se. Uma escuta minimamente atenta e bem conduzida favorece a organização do pensamento que se manifesta em linguagem e diálogo, sendo promissora no processo de reconstrução da realidade.

Ao longo do acompanhamento, é importante auxiliar na compreensão dos processos psíquicos, ordenando sentimentos, experiências e o sofrimento vivenciado. O ato de falar implica conhecer-se: sapere aude: ouse saber, ouse sentir, ouse compreender.

O papel do vínculo e da escuta sensível

A relação entre quem fala e quem escuta deve ser conduzida com sensibilidade e cuidado. O objetivo não é eliminar toda a dor, mas oferecer apoio concreto para a reorganização da vida de quem sofre, o que pode representar um alívio significativo.

A dor nunca se reduz ao aspecto físico, carrega sempre uma história afetiva.

Toda dor possui um “antes”, uma memória do primeiro momento em que foi vivida, em condições existenciais específicas. Quando se perde a conexão entre dor e significado, o sofrimento passa a ser vivido como algo sem sentido, difícil de nomear ou expressar.

Autolesão em jovens

Segundo as diretrizes da NICE (National Institute for Health and Care Excellence), a autolesão pode ocorrer em todas as idades, mas a população jovem é a mais afetada.

Trata-se de um ato intencional de ferir o próprio corpo, como cortar-se, queimar-se, arranhar-se, puxar cabelos ou ingerir substâncias e medicamentos.

Frequentemente, quem se machuca evita procurar atendimento hospitalar. Quando busca socorro de emergência, pode sofrer julgamentos, o que tende a agravar o quadro.

Principais fatores que levam à autolesão

  • Dificuldade em lidar com emoções intensas (raiva, tristeza, vazio, culpa, rejeição)
  • Histórico de traumas, negligência, violência ou abuso emocional
  • Sensação de desconexão de si mesmo e do mundo, em que o corpo passa a ser um ponto de ancoragem, algo palpável
  • Necessidade de segurança e controle, já que a dor física é concreta e previsível
  • Pedido de ajuda silencioso: o corpo expressa quando faltam as palavras

O corpo fala quando a palavra falha

O antropólogo David Le Breton, em Antropologia da Dor (Editora Unifesp), caracteriza a autolesão como uma linguagem do corpo quando as palavras não surgem.

A dor instala o indivíduo numa condição de despertencimento, um estado de desequilíbrio que rompe o fluxo habitual de relações com o mundo. Assim, a autolesão representa uma expressão extrema do sofrimento, evidenciando o impacto da dor na vida social e emocional.

As lesões podem funcionar como uma comunicação simbólica, uma tentativa silenciosa de tornar visível o sofrimento invisível: “olhe para mim”, “estou sofrendo”, “preciso de ajuda”.

Mesmo quando a dor tem causa concreta, como um trauma, ela se insere numa história de vida e interfere em vários domínios da existência: as relações, o trabalho, a autoestima e a maneira de estar no mundo.

Quando o afeto se desvincula do seu significado, pode emergir uma angústia profunda, levando o indivíduo a criar mecanismos de fuga. Nessa tentativa de aliviar o vazio emocional, algumas pessoas recorrem à automutilação tanto como anestesia quanto como pedido de ajuda.

O tratamento exige escuta ativa, estabelecimento de vínculo e acolhimento: não punição ou censura. É fundamental construir um plano de segurança com a pessoa e sua rede de apoio, entender o que a autolesão comunica e oferecer outras formas de expressão e regulação emocional.

A recuperação inicia-se quando a pessoa é escutada sem julgamento, quando alguém reconhece a sua dor antes de condenar o gesto.

Mariana Schamas-Esposel, BSc Kin, é cinesiologista pela California State University, pós-graduada em dor e coordenadora do curso Dor e Movimento: Prescrição de Exercícios para Pessoas com Dor do Hospital das Clínicas da USP. Otávio Augusto de Melo é psicanalista, psicólogo e mestre em Psicologia Social pela PUC-SP.

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