Ah, o amor… Quem nunca viveu uma paixão avassaladora, amou intensamente como se o amanhã não existisse e depois reuniu os fragmentos para enfrentar o luto de uma separação? O amor romântico envolve vários aspectos: momentos de alegria, feridas, traumas, aprendizados e crescimento emocional a partir das vivências. O universo dos afetos é intricado, e a humanidade tenta compreendê-lo há eras. Contudo, a subjetividade desse sentimento levanta mais indagações do que certezas: não existe um manual único para amar. Ainda assim, é inegável que as relações amorosas afetam profundamente o funcionamento da mente. Mas, afinal, o que ocorre no cérebro durante cada etapa de um romance?
Esse é o eixo central do livro “Tratado sobre o amor” (Planeta), escrito pelo neurocientista Fernando Gomes, que descreve o relacionamento humano como um sistema motivacional integrado que atravessa fases previsíveis, cada uma com mudanças específicas na neuroquímica e na atividade cerebral.
O autor percorre a interseção entre amor e neurociência para expor os caminhos que a ciência vem trilhando na tentativa de elucidar os segredos desse sentimento complexo e, por vezes, abstrato. Gomes estimula o leitor a desenvolver metacognição: isto é, a compreensão do próprio processo mental.
“Metacognição vai além do autoconhecimento. É a apreensão racional dos processos mentais ligados a um comportamento próprio ou a uma aptidão cerebral, alcançada quando o pensamento racional é aplicado com atenção e sem preconceitos, independentemente da identidade de gênero ou orientação sexual”, afirma o autor.
O livro detalha as fases previsíveis de um relacionamento, caso a relação não seja interrompida ao longo do percurso:
Luxúria (desejo sexual)
A etapa da luxúria corresponde ao início, quando as pessoas se atraem e despertam o desejo por intimidade física. Esse estágio costuma ser comparado à infância de um vínculo amoroso.
- Comportamento: o apetite sexual é inespecífico e latente, direcionando-se à união sexual com indivíduos atraentes em geral, sem foco em uma pessoa determinada;
- Neuroquímica: predominam os hormônios testosterona e estrogênio. A testosterona assume papel central nessa fase, impulsionando o desejo sexual por outras pessoas;
- Cérebro: as amígdalas são os principais núcleos ativados, intensificadas pela influência hormonal. Funcionam como porta de entrada para a dimensão emocional do cérebro, o sistema límbico.
Paixão (período da adolescência do amor)
A paixão emerge quando uma pessoa em particular concentra a atenção e libera o circuito de prazer cerebral. É descrita como a adolescência do amor, marcada por sentimentos intensos e avassaladores.
- Duração: a paixão tende a durar entre seis meses e dois anos. Existem teorias, como a do escritor Frédéric Beigbeder, que sugerem uma duração de três anos para o amor verdadeiro, embora evidências neurocientíficas indiquem queda hormonal entre doze e quinze meses;
- Neuroquímica: o funcionamento cerebral muda: o sistema de recompensa fica mais ativo, criando um padrão que pode lembrar dependência semelhante ao provocado por drogas. Observa-se aumento de dopamina (associada ao bem-estar e ao prazer), adrenalina e noradrenalina — esta última ligada a respostas de estresse que geram taquicardia, palpitações e ansiedade. Há também redução de serotonina, de maneira comparável ao observado em transtorno obsessivo-compulsivo;
- Comportamento e cognição: o senso crítico e o juízo tornam-se menos vigilantes. O parceiro é idealizado. A atenção seletiva se intensifica, enquanto a habilidade de concentração em tarefas irrelevantes pode diminuir. Sintomas de ansiedade e estresse são frequentes.
Amor romântico
A paixão se transforma gradualmente em amor romântico, uma fase na qual o bem-estar pode ser aproveitado com menos carga de estresse.
- Duração: costuma variar entre dois e cinco anos;
- Transição: há redução nos níveis de dopamina e noradrenalina. O córtex pré-frontal retoma sua atividade habitual, favorecendo uma percepção mais realista do parceiro;
- Tipos de amor: em pesquisas envolvendo casais no namoro (abrangendo paixão e início do romance), o tipo Eros (amor romântico e apaixonado) predominou em 43% dos casos, enquanto Estorge (amor companheiro, originado da amizade) apareceu em 29%.
Amor companheiro (estável ou eterno)
Trata-se da etapa mais serena do relacionamento. Quando a relação prossegue, o organismo libera hormônios de apego, abrindo espaço para uma forma de amor mais tranquila e duradoura.
- Duração: pode perdurar por toda a vida;
- Vínculo e neuroquímica: predominam hormônios como ocitocina (associada à confiança e ao afeto) e vasopressina;
- Cérebro: uniões de longa data (como o casamento) costumam gerar sensação de calma por acionarem núcleos da rafe no tronco encefálico. A estabilidade promove expansão mental e uma sincronização entre os cérebros dos parceiros;
- Tipos de amor: entre participantes casados, Eros (romântico, 49%) e Estorge (companheiro, 14%) foram os mais frequentes, e a presença de Eros tende a aumentar com o tempo de convívio, chegando a 63% em casamentos com mais de 21 anos;
Ruptura e separação
Infelizmente, muitas relações não se mantêm para sempre. O processo de separação varia, mas costuma ser uma experiência profundamente dolorosa.
- Neuroquímica da dor: o término eleva hormônios relacionados ao estresse, como adrenalina e cortisol. Curiosamente, há queda nos níveis de serotonina, semelhante ao observado na fase da paixão, o que favorece estados depressivos;
- Ativação cerebral: imagens cerebrais registram ativação em áreas do circuito de recompensa (como área tegmental ventral, corpo estriado ventral, globo pálido e putâmen), sinalizando recompensas incertas e respostas dilatadas.
Além disso, existe o luto, um processo que envolve os lobos frontais e costuma gerar tendência depressiva. O término desencadeia um período que pode seguir cinco fases sequenciais, conforme a descrição de Elisabeth Kübler-Ross:
- Negação: questionamento sobre quem foi responsável pelo fim;
- Raiva: direcionar culpas a si mesmo ou ao outro;
- Negociação: tentativas de promessas ou de restabelecer a relação;
- Depressão: fase mais intensa, ao compreender que a relação terminou, marcada por tristeza, angústia e ansiedade;
- Aceitação: estágio em que se vislumbra o futuro, planos são refeitos e o recomeço se torna possível;
Momentos críticos de transição
Segundo Gomes, é necessário cuidar do relacionamento diariamente, pois existem momentos clássicos de transição que elevam a probabilidade de conflitos e de separações:
- “Coceira dos 4 anos”: fase em que muitos casais rompem. Ocorre após o término da fase de paixão (que dura, em média, de seis meses a dois anos) e parte do período do amor romântico (dois a cinco anos), antecedendo a etapa mais serena do amor companheiro;
- Sete anos: período em que os parceiros costumam avaliar o estado da relação;
- “Divórcio grisalho”: término de casamentos longos após os 50 anos, frequentemente surgido após longo período de insatisfação e desencadeado por eventos marcantes, como a saída dos filhos de casa ou o processo de envelhecimento.
Para atravessar essas transições, Gomes recomenda atenção constante e receptividade a cada etapa, vivendo-as com a máxima honestidade possível. Recomenda evitar decisões definitivas durante o encanto inicial e revitalizar a relação — seja retomando a sedução e os encontros, seja introduzindo novidades na rotina —, práticas que estimulam a liberação de dopamina e noradrenalina típicas dos estágios iniciais.
Ao explorar o amor sob o olhar da neurociência, o autor convida a entender o sentimento mais cantado, estudado e vivido pela humanidade sem esvaziar sua poesia complexa e bonita. Ao revelar o que se passa no cérebro em cada fase do amor, a obra não entrega respostas absolutas, mas amplia a consciência sobre o entrelaçamento entre razão e emoção nesse fenômeno profundamente humano. Compreender o amor é, acima de tudo, compreender a si mesmo: com suas vulnerabilidades, desejos e a contínua busca por conexão.






