5 de dezembro de 2025
sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Por que as telas nos fazem mal?

Atenção, não dólares nem euros: nos dias de hoje, o recurso mais valioso em disputa é outro: a atenção das pessoas, e isso pode estar comprometendo a saúde coletiva. Foi essa conclusão que o engenheiro de software Bruno Gurgel, 37 anos, alcançou ao perceber que o tempo diante das telas havia extrapolado os limites.

Continua após a publicidade

“Havia uma necessidade incontrolável de verificar as redes sociais constantemente. O rendimento no trabalho caiu, as atividades ao ar livre sumiram da rotina e o sedentarismo levou o peso a mais de 190 quilos”, relata o especialista em tecnologia, que passou por acompanhamento psiquiátrico para tratar a dependência digital.

Os impactos físicos e psicológicos provocados pelo uso excessivo de celulares e computadores não constituem, por si só, uma enfermidade formal. Ainda assim, abundam relatos e evidências de que a interação entre seres humanos e aparelhos está cada vez mais desequilibrada.

Continua após a publicidade

“Não é preciso que um comportamento esteja registrado no CID [Código Internacional de Doenças] ou seja classificado como patológico para que se reflita sobre o modo como empregamos essas tecnologias e sobre a forma como elas nos utilizam”, provoca o psicólogo Francisco Nogueira, do Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo.

Por que é tão difícil sair das redes sociais?

Com vídeos cada vez mais curtos e dinâmicos e memes capazes de prender a atenção mesmo quando sem sentido, as redes sociais estão no centro desse problema, oferecendo um fluxo interminável de conteúdos que ativam áreas cerebrais ligadas à sensação de recompensa.

“Um exemplo é o núcleo accumbens, que participa da liberação de dopamina”, explica o psiquiatra Rodrigo Machado, coordenador do grupo de dependências tecnológicas do Instituto de Psiquiatria da USP. A dopamina, frequentemente chamada de “hormônio do prazer”, na verdade estimula o desejo.

“Em experimentos com roedores, os níveis desse neurotransmissor aumentaram quando a comida aparecia, indicando que aquilo poderia ser percebido como recompensa e prazer”, esclarece o especialista.

É assim que o cérebro reage a uma nova tendência acessível na palma da mão: há picos de dopamina frequentes. Com a exposição prolongada ao conteúdo digital, porém, a forma como o cérebro interpreta esses estímulos se altera, gerando acomodação que reduz a satisfação obtida. Por isso, as pessoas ficam mais tempo nas telas, em busca de um pico de dopamina que volte a ser tão intenso quanto antes.

“As plataformas são constantemente aperfeiçoadas para manter os usuários engajados, por meio de mecanismos que capturam a atenção e alteram processos cerebrais”, comenta Gurgel.

Depois de se recuperar da dependência digital, o engenheiro dedicou-se a estudar psicologia e atualmente coordena a plataforma EquilibriON, promovendo palestras, workshops e retiros para incentivar o resgate do prazer em atividades offline.

O desafio se amplia com o surgimento da inteligência artificial: pesquisas indicam transformações na maneira de raciocinar das pessoas, enquanto a dificuldade de desconectar persiste.

Quanto tempo passamos em frente a telas?

Os brasileiros passam, em média, mais de nove horas diárias diante de telas, aponta levantamento da consultoria Bain & Company. Quase quatro horas desse total são dedicadas às redes sociais: conferindo notícias, trocando mensagens ou rolando o feed à procura de algo que chame a atenção.

A identificação com esse cenário não é incomum, e o desconforto diante do hábito também é frequente.

Ao questionar quais atividades gostariam de reduzir, a pesquisa revela que a principal resposta foi o tempo em redes sociais e streaming: 28% desejam modificar esses hábitos. Entre os insatisfeitos, 35% citam distração, 28% reconhecem prejuízos à saúde mental e 18% relatam culpa por tanto tempo diante do celular.

Deixar os aparelhos de lado é tarefa árdua, especialmente com uma nova tentação já presente na rotina das pessoas.

Segundo o estudo, 62% dos brasileiros conhecem plataformas de inteligência artificial, e 18% as utilizam frequentemente.

A maioria recorre a ferramentas como o ChatGPT para agilizar tarefas cotidianas, profissionais ou acadêmicas, e quase metade acredita que os benefícios superam os riscos. No entanto, pesquisas recentes colocam essa ideia em questão.

Cérebro preguiçoso?

Um estudo do Media Lab do MIT, nos Estados Unidos, deu a 54 universitários a tarefa de escrever um texto.

Os participantes foram separados em três grupos: um que poderia usar apenas o ChatGPT, outro que podia recorrer ao Google para pesquisar, e um terceiro que não poderia consultar nada, contando apenas com suas próprias capacidades cognitivas.

Todos realizaram a atividade enquanto usavam eletrodos no couro cabeludo, para que os pesquisadores acompanhassem a atividade cerebral durante a tarefa.

Os dados mostraram que os estudantes que utilizaram exclusivamente a ferramenta de IA apresentaram menor engajamento cognitivo e conexões neurais mais fracas.

Mais de 80% deles não souberam citar sequer uma frase do texto produzido, porque as informações não foram retidas adequadamente na memória.

“É possível abstrair dados desses formatos acelerados de produção, mas nada comparável ao ritmo do ensino tradicional, que oferece mais tempo para elaborar o conteúdo e consolidar memórias”, afirma o neurocientista Fernando Gomes, professor da Faculdade de Medicina da USP e do HCX.

O mesmo se aplica ao hábito de acelerar áudios e vídeos em aplicativos de mensagem: para o médico, essa busca por funcionalidades mais velozes é uma tentativa desesperada de aumentar a produção, sem que necessariamente haja ganho real para a cognição.

Pesquisas recentes também sugerem que o quociente de inteligência (QI) humano não está avançando como se esperava. “Pode ser que estejamos presenciando uma reversão do efeito Flynn, que previa que cada geração teria desempenho cognitivo superior à anterior”, analisa Machado.

“Investir em educação de qualidade, saúde e nutrição parece mais determinante para a capacidade cerebral do que a sobrecarga de recursos com inteligência artificial”, conclui o psiquiatra, destacando que as soluções básicas ainda têm maior impacto do que a tecnologia turbinada, sem esquecer os debates que essas inovações já provocam.

IA, colega de trabalho?

Além de facilitar a produção em massa de desinformação — com impacto sobre o bem-estar coletivo —, a presença constante da IA tem sido associada a relatos de ansiedade, isolamento social e até alucinações. O levantamento da Bain aponta que quatro em cada dez pessoas temem perder o emprego para algoritmos.

“Não se pode ignorar o efeito emocional de ver uma função que confere identidade e dignidade ser substituída por um algoritmo. Isso causa medo, insegurança e um luto simbólico”, afirma o psicólogo Leonardo Abrahão, criador da campanha Janeiro Branco, centrada em saúde mental. “É necessário abrir espaços de diálogo sobre o futuro.”

Ferramentas criadas para auxiliar frequentemente acabam atrapalhando na vida pessoal e no ambiente de trabalho. “Em vez de promover autonomia, a tecnologia tem prolongado a jornada de trabalho, impedindo que o tempo de lazer seja realmente de descanso”, critica Luis Gonzalez, CEO e cofundador da Vidalink.

O que deveria simplificar transforma-se em fonte de ruído e ansiedade. Mensagens instantâneas criam a expectativa de resposta imediata, padrão muitas vezes reforçado por lideranças.”

Levantamento da Vidalink indica que a geração Z — nascida entre 1996 e 2010 — é a mais conectada e também a que teve maior aumento no uso de medicamentos controlados: em 2024, esse grupo apresentou elevação de 6,6% no consumo de antidepressivos e ansiolíticos prescritos, a maior taxa entre as idades analisadas.

“Essa geração enfrenta o dilema de construir carreira em meio à automação, à inteligência artificial e a mudanças rápidas, o que acarreta frustração e ansiedade”, afirma Gonzalez. Nem mesmo profissionais de saúde estão imunes às pressões geradas pelas IAs.

Chat terapeuta?

Usuários têm recorrido à tecnologia para autodiagnósticos e para compartilhar dilemas pessoais, confiando em respostas de máquinas. Em julho, o Conselho Federal de Psicologia divulgou posicionamento sobre os efeitos da tecnologia na profissão.

“Embora a IA possa gerar conteúdos rapidamente e dar suporte em várias tarefas, sua aplicação exige supervisão e julgamento humanos”, orienta a entidade.

A inteligência artificial não substitui a experiência de um processo psicoterapêutico: “Nas interações com essas ferramentas, falta um processo reflexivo no qual o paciente possa se engajar. As IAs tendem a formular respostas que confirmam crenças e expectativas do usuário, buscando agradar mais do que auxiliar”, observa Nogueira.

Ao reforçar as ideias do usuário, a ferramenta pode reiterar ilusões ou gatilhar alucinações em indivíduos predispostos a esses sintomas.

Em estudo do King’s College London, 17 pessoas foram acompanhadas após apresentarem sinais de perda de contato com a realidade após imersões em diálogos com assistentes de IA.

Os autores não afirmam que o uso das ferramentas seja a causa direta das crises, mas ressaltam que é “urgentíssimo estudar” a relação entre essas tecnologias e a saúde mental humana.

“Não se deve proibir o uso dessas tecnologias, mas é fundamental garantir que o acesso a elas seja seguro”, interpreta Nogueira.

Menos tela, mais toque

Smartphones, redes sociais e inteligência artificial fazem parte do cotidiano de maneira quase inescapável.

O desafio, portanto, é promover um uso mais consciente dessas ferramentas. Muitos especialistas defendem a implementação de políticas públicas e a cobrança das empresas por trás dos algoritmos, para que assumam responsabilidade pelos efeitos na saúde dos usuários e ofereçam mecanismos que permitam controlar a experiência e o tempo nas plataformas.

No Brasil, a regulamentação das redes sociais está em debate, e o governo divulgou recentemente uma cartilha com orientações sobre o uso de telas por crianças e adolescentes, alinhada a alertas de entidades médicas sobre os efeitos dessas ferramentas no desenvolvimento jovem.

Para crianças pequenas, recomenda-se evitar o contato com telas até os 2 anos, salvo para videoconferências supervisionadas com familiares ou conteúdos educativos. A orientação geral para todas as idades é aproximar-se mais da vida real — das pessoas, da natureza, da arte e dos animais.

“Atividades que nos conectam ao aspecto mais biológico e instintivo ajudam a romper o transe provocado pelas telas”, propõe Gomes. “É uma troca valiosa, porque essas experiências realmente merecem atenção.”

5 motivos para fazer um detox digital

Especialistas sugerem dedicar mais tempo às experiências presenciais

  • Resguardar a mente — Pesquisas associam maior tempo de tela a taxas superiores de depressão e ansiedade em todas as idades.
  • Recuperar o foco — Reacostumar o cérebro à atenção sustentada exige reduzir distrações e cultivar uma postura mais contemplativa.
  • Cuidar da privacidade — Verificar configurações das redes e reduzir a exposição online ajuda a entender como os dados pessoais são utilizados.
  • Melhorar o sono — Uma hora de exposição a telas pode elevar em 59% a probabilidade de insônia e reduzir quase meia hora do tempo total de sono.
  • Estreitar relações — As redes nem sempre aproximam: o contato presencial continua sendo a melhor maneira de conhecer alguém.

 

Continua após a publicidade

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Vitória, ES
Amanhecer
04:53 am
Anoitecer
06:11 pm
22ºC
Chuva
0mm
Velocidade do Vento
3.6 km/h
06/12
Sáb
Mínima
21ºC
Máxima
25ºC
07/12
Dom
Mínima
21ºC
Máxima
26ºC
08/12
Seg
Mínima
23ºC
Máxima
28ºC
09/12
Ter
Mínima
23ºC
Máxima
28ºC

Volta Ecológica defende os Manguezais de Vitória

Tony Silvaneto

Leia também