5 de dezembro de 2025
sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Como cuidar da saúde mental de médicos

A cena já virou um retrato clássico da rotina hospitalar: madrugada avançada, pronto-socorro lotado, linhas telefônicas incessantes, a carga excessiva nos plantões e a impressão de que não existe tempo suficiente para atender a todas as demandas, e muito menos para cuidar de si.

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Quem vigia o vigilante?

A prática médica envolve bem mais do que executar diagnósticos e procedimentos. Conforme Alberto Ogata, doutor em Saúde Coletiva pela USP e pesquisador da FGV Saúde, a rotina traz pressões implícitas que impactam a saúde emocional de quem usa o jaleco, e essas pressões começam ainda antes do exercício profissional.

Desde os anos de estudos intensos, das provas competitivas e das exigências acadêmicas, os estudantes já enfrentam desgaste contínuo. “Depois disso, o acúmulo de responsabilidades, a sobrecarga de plantões, a violência e a insegurança quanto às condições de trabalho passam a ser elementos centrais”, ressalta o especialista.

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Eduardo Moura, médico e diretor do Research and Innovation Center da Afya, aponta que os números corroboram esse diagnóstico: “A rotina médica tem jornadas extensas — 24,7% trabalham entre 60 e 74 horas semanais, e 11% excedem 75 horas. Esse ritmo intenso, associado à cobrança por resultados e ao excesso de burocracia, gera um ambiente de elevado estresse. Quase metade dos médicos percebeu um aumento considerável no nível de estresse nos últimos 12 meses.”

O levantamento mais recente da Afya reforça esse quadro: cerca de 45% dos médicos apresentam algum quadro de doença mental, representando um acréscimo de 13% em relação ao ano anterior, retornando ao nível observado no pós-pandemia. A pesquisa também indica que 1 em cada 2 médicos já passou por algum nível de esgotamento relacionado ao trabalho, enquanto 4 em cada 10 convivem com diagnóstico de transtorno de ansiedade.

O silêncio diante da fragilidade

Moura lembra que a pandemia funcionou como um potenciador das discussões: “Ela colocou a saúde mental em evidência, mas os dados de 2025 mostram que os problemas se mantêm em patamares elevados, com 41,6% convivendo com sintomas depressivos e 30% em tratamento para ansiedade. Isso indica que não foi apenas um pico, mas uma mudança de entendimento.”

Mesmo expostos a tantos riscos emocionais, buscar ajuda continua sendo um desafio. “É necessário admitir que muitos médicos têm dificuldade em se enxergar como pacientes. Pode haver resistência a expor vulnerabilidade por receio de prejuízos na carreira”, observa Ogata.

Esse temor se intensifica pelo estigma social sobre saúde mental e, entre médicos, assume contornos maiores. “Apesar de mais de 50% já terem vivenciado burnout, 32,6% relatam sintomas atuais sem procurar auxílio. A medicina ainda preserva um ideal de invulnerabilidade, atrasando o cuidado”, complementa o pesquisador.

A forma como a formação médica é estruturada também colabora para essa negação dos problemas. “A educação na medicina enfatiza o desenvolvimento intelectual e a capacidade de enfrentar dificuldades cotidianas. Desde o início, o estudante é direcionado a encarar jornadas longas, condições aquém do ideal e o sofrimento humano sem recorrer a suporte”, explica o pesquisador.

Segundo ele, esse tipo de aprendizagem, que deveria preparar para a prática, frequentemente ensina a tolerar excessivamente. “Muitos adotam, então, uma postura de negação perante os próprios transtornos emocionais.”

Cuidar da saúde mental dos médicos é urgente. Salvar vidas diariamente só se torna sustentável quando também existe preservação da própria saúde do profissional.

O mito do ‘erro zero’

Outro elemento determinante é a cobrança por desempenho. “O meio médico valoriza produtividade, saber técnico e a ideia do ‘erro zero’. Isso impõe uma pressão intensa que se reflete na vida pessoal e familiar”, comenta Ogata.

Esse padrão inalcançável leva muitos profissionais a ocultarem o que vivenciam. “Por essa razão, muitos não procuram ajuda mesmo diante de ansiedade, depressão ou uso nocivo de álcool e drogas, buscando evitar julgamentos e a aparência de fragilidade.”

A pesquisa da Afya aponta que 51,8% das médicas apresentam algum transtorno mental, ante 35,7% dos homens, com maior frequência de ansiedade e depressão. “As mulheres tendem a relatar sintomas com maior assiduidade, seja por sobrecarga emocional, dupla jornada ou maior predisposição a reconhecer o sofrimento”, explica Moura.

Diante desse panorama, é fundamental identificar quando os limites estão sendo ultrapassados. Entre os sinais mais recorrentes, Alberto destaca, “perda de interesse pelo trabalho ou cinismo em relação aos pacientes, irritabilidade exagerada, sensação de esgotamento, dificuldade de concentração e, com frequência, uso abusivo de álcool e medicamentos associado a distúrbios do sono.”

Moura salienta que a percepção de aumento no estresse é um dos primeiros sinais de alerta na saúde mental dos médicos: “Quase 50% dos médicos relataram elevação significativa desse sintoma no último ano. Mudanças de humor, queda na produtividade e insatisfação com a qualidade de vida costumam anteceder quadros mais graves.”

O papel das instituições de saúde

Como em qualquer vínculo, seja pessoal ou profissional, o estresse repercute além do indivíduo e atinge quem convive com ele. “Quase metade dos profissionais notou piora recente no estado emocional. Isso se reflete em relações mais tensas com colegas, menor empatia com pacientes e desgaste nos laços familiares. O esgotamento prejudica a qualidade da escuta e a tomada de decisões clínicas”, observa Moura.

Para Ogata, não é suficiente atribuir unicamente ao médico a responsabilidade pelo autocuidado; é preciso compreender as causas subjacentes. “O suporte organizacional é essencial. Implantar uma cultura de saúde a partir da liderança melhora os resultados para profissionais e instituições.”

Também é necessária uma mudança na estrutura do trabalho para beneficiar a todos. “Escalas que evitem jornadas excessivas, programas de apoio psicológico confidenciais e estímulo a hábitos saudáveis, como prática regular de atividade física. O estudo mostra que médicos do Sul, onde há maior adesão a exercícios, apresentam menos estresse”, relata Moura.

Mesmo assim, o profissional pode adotar medidas cotidianas para proteger o próprio bem-estar. “Buscar equilíbrio nas dimensões física, emocional, social, financeira e espiritual é recomendado”, aponta Ogata.

Esse cuidado não precisa ser algo distante da prática diária. “Pequenas mudanças ajudam, como manter-se ativo fisicamente, ter alimentação equilibrada, sono regular, cultivar relações sociais e ter atividades fora da medicina, por exemplo um hobby”, conclui.

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