Em 2022, a modelo Ellen Milgrau, nome artístico de Ellen Caroline Melo, recebeu uma ligação que transformou sua trajetória. Um amigo, com diagnóstico de depressão, pediu socorro: precisava que ela o ajudasse a organizar a casa; fazia dias que não lavava a louça, não varria o imóvel nem escovava os dentes.
Munida de rodo, vassoura, água e sabão, a paulistana de 31 anos correu para atender ao pedido. Durante a arrumação surgiu a ideia de gravar a faxina e publicar o vídeo nas redes sociais. Em poucos dias, o material ultrapassou dois milhões de visualizações e levou Ellen a repetir a iniciativa várias vezes.
Três anos depois, a própria produtora perdeu a conta de quantas limpezas realizou; ela estima “mais de cem”. Ela lembra que, somente no Rio Grande do Sul, participou de 16 ações em uma única semana, ajudando moradores de quatro cidades afetadas pelas enchentes.
Se o total de faxinas é incerto, a quantidade de entulho retirado impressiona ainda mais. “Um aterro sanitário inteiro!”, ela brinca, e relata que, apenas na casa da dona Noêmia, em São Paulo, foram retiradas 160 toneladas de lixo; havia tanto material que a moradora chegou a dormir na calçada.
Missão Faxina
O projeto, batizado de Faxina Milgrau, chamou a atenção da Warner Bros. Discovery, que decidiu desenvolver o formato para a televisão, originando um novo programa.
Estreia nesta quinta, dia 25, na HBO Max e no Discovery Home & Health, Missão Faxina com Ellen Milgrau; a primeira temporada, já gravada, tem 10 episódios.
As mudanças entre o reality independente e a versão de streaming foram profundas, segundo a apresentadora. A principal diferença foi a estrutura oferecida pela plataforma: antes faltava até comida e um local adequado para necessidades básicas, e a equipe frequentemente não fazia pausas nem para almoçar.
Trabalho sujo
A duração de cada faxina varia conforme a sujeira encontrada: algumas residências foram recuperadas em dois dias, enquanto outras demandaram quase um mês de trabalho. O número de voluntários também oscila conforme a situação.
Na atração, há uma equipe fixa de três “faxiners”, Jady Carvalho, Nicoli Clavero e Rodrigo Hayek, mas, diante de casos mais graves, Ellen convoca uma força-tarefa de voluntários, pois, sem essa ajuda, não é possível deixar a casa pronta dentro do prazo estabelecido.
Entre os dez episódios gravados, dois se destacaram para a apresentadora. Em um deles, a profissional que morava no imóvel exerce uma função que Ellen admira e que a lembra da mãe, tornando o episódio particularmente intenso tanto no aspecto físico quanto no emocional.
Em outro caso, a residência era muito grande e exigiu limpeza em vários andares; a apresentadora descreve a experiência como bastante agitada, mantendo, contudo, discrição para não revelar detalhes e estragar as surpresas.
Acumuladores compulsivos
Não basta apenas organizar a casa sem intervenção clínica no morador; a desordem tende a retornar. O psiquiatra Leonardo Fontenelle, professor do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explica o fenômeno.
Segundo Fontenelle, o transtorno de acumulação compulsiva está na pessoa e não no espaço. Ao remover entulho, muitos indivíduos têm uma reação quase traumática, relatando que eliminar o lixo é como mutilar uma parte do próprio corpo, comparável a perder um braço ou uma perna.
A acumulação compulsiva é multifatorial, com componentes genéticos e ambientais. Por trás do comportamento há apego sentimental aos objetos e a crença de que eles poderão ser úteis no futuro, o que torna difícil para os moradores descartarem qualquer coisa, esclarece o médico.
O tratamento do transtorno é igualmente complexo; Fontenelle evita falar em cura, preferindo dizer que o objetivo é controlar os sintomas. Alguns pacientes parecem “cegos” para o caos em que vivem, de modo que a confusão costuma ser mais evidente para observadores externos do que para quem habita o local.
O amigo que pediu ajuda a Ellen evoluiu e, atualmente, administra carreiras de artistas. A apresentadora afirma que não impõe nada a ninguém, apenas oferece auxílio. Quando a pessoa aceita, ela vai e realiza a limpeza.
Ellen acredita que um rodo e uma vassoura podem transformar vidas, como transformaram a dela, e que a experiência a tornou mais humana. Antes imersa em um mundo de faz de conta, passou a manter os pés no chão e a relativizar problemas, percebendo que há pessoas com dificuldades maiores do que as suas.








