5 de dezembro de 2025
sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Limite para exposição excessiva de crianças em redes sociais

Quem nunca se encantou com uma foto espontânea da criança lambuzada de sorvete ou com aquele vídeo do primeiro dia de aula? Registrar momentos da infância é uma forma legítima de guardar memórias e celebrar os pequenos acontecimentos da vida. Mas em tempos de redes sociais, o que antes era guardado no álbum da família agora ganha curtidas, comentários e muitas vezes, uma exposição excessiva da criança nas redes sociais.

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A prática de compartilhar excessivamente a vida dos filhos online ganhou até nome: sharenting, junção das palavras “share” (compartilhar) e “parenting” (criação dos filhos). E embora pareça inofensiva à primeira vista, pode trazer riscos emocionais, cognitivos e até ilegais.

Registrar é amar, mas compartilhar exige pausa

No Brasil, a Constituição Federal, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) garantem que crianças e adolescentes tenham seus direitos fundamentais preservados.

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Advogada especialista em direito das famílias, Letícia Peres explica que dar publicidade à imagem de uma criança, mesmo sendo seu filho, é um direito personalíssimo, ou seja, só pode ser exercido por ela ou por seus responsáveis legais com base no interesse da criança.

“Os responsáveis legais precisam se perguntar: ‘Essa exposição é realmente do interesse da criança ou está atendendo a uma vontade minha?’ Ignorar sinais de desconforto ou insistir em registrar tudo pode trazer consequências emocionais sérias. A criança está na fase de brincar, não de ser exposta como um troféu”, afirma Letícia.

Impacto da câmera no desenvolvimento infantil

Neuropsicóloga e psicóloga especialista em adolescência, Lilian Vendrame destaca que a exposição excessiva da criança nas redes pode alterar funções cognitivas essenciais, como atenção, memória e percepção de si. Quando a criança se vê frequentemente sendo filmada, ela pode começar a moldar seu comportamento para agradar à câmera, o que interfere na espontaneidade e na vivência genuína dos momentos.

Segundo ela, isso também compromete a memória autobiográfica, pois, em vez de estar presente na experiência, a criança se vê condicionada a performar para a câmera. Ela deixa de viver o “aqui e agora” e passa a se preocupar com a própria imagem.

Com o tempo, essa exposição recorrente pode impactar a forma como a criança desenvolve sua atenção. “Ela se acostuma a ser o centro das atenções em um certo tipo de contexto e mais tarde, pode sentir dificuldade ao lidar com momentos em que não é notada, o que interfere no desenvolvimento da autorregulação emocional”, conta.

Essa necessidade precoce de “atuar” pode gerar autocensura, afetar a autoestima (que passa a se basear em validação externa) e promover uma adultização precoce. “A criança pode desenvolver uma consciência antecipada sobre como é vista pelos outros, o que pode levá-la a atuar o tempo todo para agradar, reprimindo sua espontaneidade”, explica a neuropsicóloga.

Excesso de exposição prejudica a autonomia

A forma como os pais lidam com a privacidade da criança serve de modelo para a construção da autonomia. Se tudo vira uma exposição excessiva da criança nas redes sociais, inclusive momentos íntimos ou vulneráveis, a criança pode crescer sem desenvolver uma percepção clara dos próprios limites.

Lilian explica que a autonomia saudável nasce da convivência com adultos que demonstram respeito pelos momentos da criança e têm consciência do que compartilham.

“Se os cuidadores têm uma noção enfraquecida de privacidade, a criança pode aprender que sua vulnerabilidade não oferece riscos quando, na verdade, oferece sim. A pergunta central que os pais precisam se fazer é simples mas útil: ‘Essa publicação oferece algum risco à segurança ou ao bem-estar do meu filho?’.”

Embora a atenção com a imagem da criança deva existir sempre, há momentos do desenvolvimento em que os riscos são ainda maiores. A primeira infância, dos 2 aos 6 anos, é um período de intenso desenvolvimento cognitivo, emocional e social, e pode ser afetada pela forma como a criança é tratada ou percebida no ambiente ao redor.

Já na pré-adolescência, dos 8 aos 12 anos, fase marcada por um começo de comparações sociais e construção de identidade, a superexposição pode gerar ansiedade, vergonha, medo de errar e uma necessidade intensa de aprovação externa.

Impactos que vão além da tela

A advogada lembra que, em caso de consequências negativas, como bullying, uso indevido da imagem ou sofrimento emocional, os responsáveis legais podem ser processados civil e criminalmente.

“A identidade digital precisa ser um ato de espontaneidade da criança, pois ela não pode ser criada ou manipulada com fins de atender interesses de terceiros porque é a criança quem sofre diretamente as consequências do assédio originário dessa exposição”, diz.

Além da questão jurídica, Lilian chama atenção para o impacto no vínculo entre pais e filhos. Quando tudo é registrado, filmado e publicado, a experiência real pode transformar a conexão afetiva em um palco.

“Pais que compartilham tudo sem perceber podem estar buscando validação própria, e isso fragiliza a construção de um vínculo genuíno com os filhos. Um vínculo que passa a ser construído mais para os seguidores do que para a criança em si.”

Alguns comportamentos podem indicar que a criança está se sentindo invadida ou desconfortável com a superexposição como irritação ao ver o celular se aproximando, recusa em ser filmada, vergonha das próprias imagens, comportamento artificial diante da câmera ou tristeza após ver conteúdos seus sendo compartilhados.

Outro sinal comum é quando a criança começa a repetir frases como “quero ficar famosa” ou tenta imitar influenciadores digitais sem compreender o que a frase significa. Isso pode apontar para uma identificação com um papel e não com sua própria essência.

Como encontrar o equilíbrio entre afeto e exposição

Nem todo registro é um problema. O desafio está em perceber quando o compartilhamento se torna excessivo e começa a substituir a conexão real. Lilian propõe uma reflexão: “Sua preocupação é criar memórias ou criar conteúdos? Seu filho precisa mais de colo ou de curtidas?”.

Antes de postar, vale se perguntar:

  • O que estou buscando com essa publicação?
  • Estou fazendo isso por carinho ou por validação?
  • Essa imagem representa algo íntimo da criança que ela talvez prefira guardar?
  • Como ela se sentirá ao rever isso daqui a alguns anos?

“A infância é feita de descobertas, bagunças e imperfeições. Preservar esse espaço é também permitir que as crianças cresçam com liberdade para serem quem são e não apenas quem os adultos querem mostrar.”

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