A proposta de lei de iniciativa do Governo do Estado, por meio da Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama), que veda a pesca com traineiras no Espírito Santo, foi aprovada nesta segunda-feira pela Assembleia Legislativa. O texto disciplina a proibição dessa modalidade nas 12 milhas náuticas correspondentes ao mar territorial capixaba, conforme o Projeto de Lei nº 860/2025.
Âmbito e abrangência da proibição
A norma veda, de forma específica, a pesca de cerco por embarcações do tipo traineira com arqueação bruta superior a 20 no trecho marítimo entre os paralelos 21°18’04”S, na divisa com o Rio de Janeiro, e 18°20’45,80”S, na divisa com a Bahia. A medida apoia-se no entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceu a competência concorrente dos estados para legislar sobre pesca e proteção ambiental em seus mares territoriais.
Repercussão para a pesca artesanal
O secretário de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, Felipe Rigoni, destacou que a sanção da lei representa uma vitória histórica para os pescadores artesanais do Espírito Santo, fruto de denúncias e da resistência das próprias comunidades, que vinham alertando sobre os impactos severos da pesca industrial na fauna marinha e nas condições de trabalho e subsistência da pesca artesanal.
Base técnica da iniciativa
O texto foi fundamentado em nota técnica interinstitucional que reuniu dados científicos, avaliações socioeconômicas e estudos ambientais sobre a atuação das traineiras na costa capixaba. A elaboração contou com a participação do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), da Seama, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), do Ibama e da Secretaria da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca (Seag).
O diretor-geral do Iema, Mário Louzada, explicou que a lei representa um avanço para a conservação e para a salvaguarda da pesca artesanal. Segundo Louzada, a análise técnica indicou que a diminuição de peixes nas redes artesanais estava associada à atividade das traineiras, razão pela qual o Iema compilou estudos e evidências científicas que embasaram a proposição. A proibição da pesca com traineiras e de redes de arrasto foi apontada como uma demanda tanto dos pescadores quanto dos técnicos, sendo considerada essencial para proteger os ecossistemas marinhos e assegurar a continuidade da pesca artesanal no estado.
Características e impacto da pesca de cerco
Identificada na literatura científica como um método de alto impacto, a pesca de cerco com traineiras emprega grandes redes circulares e tecnologias avançadas, como sonares, para capturar cardumes em grande escala, sobretudo de sardinha. Estudos citados indicam que esse tipo de embarcação pode capturar até 70 toneladas de peixe por dia, impondo um esforço de pesca muito superior ao da pesca artesanal de pequena escala.
No Espírito Santo, a situação se agrava porque a maioria das traineiras industriais não está registrada no estado, operando a partir de portos de Santa Catarina e do Rio de Janeiro. Essas embarcações chegam à costa capixaba, extraem grandes volumes de pescado e retornam às origens, trazendo poucos benefícios locais e aumentando a pressão sobre os estoques utilizados pelas comunidades tradicionais.
Dados sobre a frota e desequilíbrios
Conforme Thaís Volpi, assessora especial da Diretoria Técnica do Iema, existem apenas três registros de traineiras artesanais no estado, das quais somente uma permanece ativa e continuará autorizada devido ao seu pequeno porte e caráter artesanal. Em contrapartida, as cinco traineiras industriais identificadas apresentam um potencial de captura aproximadamente 25 vezes superior ao somatório da frota pesqueira artesanal (712 pescadores) e industrial local (87 pescadores), evidenciando o desequilíbrio entre os modelos de exploração.
Relatos de pescadores artesanais e pesquisas científicas apontam impactos relevantes dessa atividade, como a sobreexploração dos recursos pesqueiros, a queda acentuada de espécies antes abundantes — entre elas peroá, charel e xinxarro —, perdas econômicas que reduzem substancialmente a renda familiar, além do aumento de conflitos e da insegurança no mar. Também há registros de captura acessória de espécies não alvo e de danos a habitats marinhos, colocando em risco a biodiversidade costeira.
Valor cultural e benefícios socioeconômicos
Além dos benefícios ambientais e socioeconômicos, a nova lei tem papel central na proteção do valor cultural ligado à pesca no Espírito Santo. Ao resguardar os estoques utilizados pela pesca artesanal, a legislação contribui para a manutenção de tradições que fazem parte da identidade capixaba, como o preparo da moqueca, reconhecida como patrimônio cultural imaterial e profundamente conectada ao modo de vida das comunidades costeiras.
Para o secretário Felipe Rigoni, a norma marca um avanço no ordenamento pesqueiro adequado à sustentabilidade ambiental e à capacidade de suporte dos ecossistemas marinhos, protegendo recursos naturais e valores culturais e assegurando que a atividade pesqueira continue gerando renda e identidade para as próximas gerações.
A legislação estabelece princípios como a promoção do uso sustentável dos recursos naturais, o estímulo a práticas de manejo responsável, a adoção de tecnologias não predatórias e a proteção de espécies nativas, em especial as ameaçadas ou sobreexploradas. Ao reconhecer a interdependência entre conservação da biodiversidade e atividade pesqueira, a lei visa garantir equilíbrio ambiental, justiça social e desenvolvimento econômico de longo prazo para as comunidades costeiras capixabas.







