Mesmo após décadas de reclamações, o pó de minério, velho inimigo dos capixabas, segue presente no cotidiano dos moradores da Grande Vitória. Em Jardim Camburi, Vitória, as casas e apartamentos ficam bem próximas das mineradoras Vale e ArcelorMittal, fontes dos problemas, segundo os moradores.
Mas o problema não se restringe ao bairro. Moradores de outras localidades, que também ficam próximas às empresas, relatam que sofrem com o problema igualmente. “Aqui em casa está impossível. Estou quase colocando o pó em containers e exportando também”, disse uma moradora do bairro Mata da Praia, em Vitória, que preferiu não se identificar.
Juninho Barbarioli, de 39 anos, é um dos líderes comunitários do bairro Jardim Camburi. Ele conta que é nítida a presença do pó de minério no bairro. “Minha maior preocupação é com a saúde. Jardim Camburi é um bairro onde muitos idosos e crianças residem”, ressalta.
“Eu tenho rinite alérgica, e nos dias em que a emissão de pó é muito alta, já percebo logo, pois fico espirrando o dia inteiro. Também me preocupo com os impactos na saúde a longo prazo”, finaliza.
Pó de minério no organismo
E os malefícios vão muito além de simplesmente sujar casas e móveis. Estudos e pesquisas revelam que a presença constante e a exposição prolongada do mineral no ar e no sistema respiratório podem levar a ocorrência de doenças ou piorar o quadro daquelas já existentes.
A médica especialista em saúde e comunidade, Ângela Marchiori, de 59 anos, explica que a exposição prolongada à poluição e, principalmente ao pó de minério, pode causar doenças e resistência do organismo às infecções respiratórias. “Existem poucos estudos sobre essa situação em específico, mas se sabe que a longo prazo existe a alteração na epigenética”, aponta.
Em linhas gerais, a epigenética é um campo de pesquisa que investiga como os estímulos ambientais podem ativar determinados genes e silenciar outros.
“Então imagina um organismo, que já tem que ser acompanhado de perto, sendo avaliado junto aos fatores de risco, entre eles o fumo passivo, a poluição do ar, a resistência antimicrobiana, causada pelos polifármacos, e ainda acrescida desse fator, que não se sabe ao certo até onde as nanopartículas do pó de minério podem chegar ou ainda habitar qualquer parte do organismo. Precisa-se de mais estudos a respeito do assunto”, conclui a médica.
Poluição por pó de minério cresce em janeiro de 2023
O Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Espírito Santo (Iema) constatou o aumento de pó preto no ar da capital do estado no mês de janeiro de 2023, quando comparado com os meses de novembro e dezembro de 2022.
De acordo com as medições, apenas no bairro Ilha do Boi, onde um dos 14 pontos de monitoramento está instalado, o índice de pó preto aumentou quatro vezes.
Em novembro 2022, foram registrados 1,56 gramas de pó preto por metro quadrado. Em dezembro 2022, o número aumentou para 2,43 gr/m². Já em janeiro de 2023, foram 7,28 gr/m².
Cariacica também é vítima do pó
Moradores de bairros de Cariacica também sofrem com a emissão do pó de minério na atmosfera. Eles acusam a Simec de ser a principal responsável.
Na usina da empresa são fabricados aços longos, tarugos, perfis, barras chatas, barras redondas, cantoneiras e vergalhões.
Katherine Pinheiro mora perto da empresa e relata que o problema é desesperador. “É o dia inteiro pó, limpo a varanda duas vezes ao dia. A rinite sempre atacada, principalmente nas crianças”, disse.
O que dizem as mineradoras?
A Vale disse, por nota, que a empresa tem investido continuamente para aprimorar seus controles ambientais, conforme compromisso assumido com a sociedade e com os órgãos públicos.
“A empresa está implantando seu Plano Diretor Ambiental, que conta com diversas ações para reduzir ao máximo a emissão de poeira e aprimorar a gestão hídrica na Unidade Tubarão, em Vitória. As ações implantadas reduziram em cerca de 85% as emissões difusas de poeira emitidas pela empresa em relação a 2010 e a previsão é alcançar aproximadamente 93% de redução, informou.
“Importante esclarecer, também, que a poeira sedimentável, popularmente conhecida como “pó preto”, é composta por diferentes elementos provenientes de diversas fontes, como veiculares, construção civil e industriais, conforme Inventário de Fontes do Instituto Estadual do Meio Ambiente (Iema)”, finalizou.
A ArcelorMittal Tubarão disse que está investindo, até o final desse ano, R$ 1,87 bilhão na melhoria dos seus processos ambientais. “Dentre os projetos já finalizados estão a instalação de Wind Fences em vários pátios; novas coberturas nas correias transportadoras de matérias-primas; um novo sistema de despoeiramento no Pátio de Beneficiamento de Coprodutos e uma nova quarta bateria na Coqueria, dentre outras melhorias e tecnologias”, informou.
Procurada pela redação do MovNews, a Simec não se manifestou sobre as reclamações até a divulgação desta reportagem. Caso haja resposta, a matéria será atualizada.
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