Há sete anos, o Espírito Santo perdeu um de seus nomes mais improváveis e
encantadores do cinema: Manoel Loreno, ou simplesmente Manoelzinho. Vítima
de um AVC em 2018, o cineasta amador transformou sua paixão pelos faroestes em
cerca de 40 filmes produzidos em Mantenópolis, no interior capixaba, deixando um
legado que hoje ecoa muito além das ruas de sua cidade.
Filho de uma família pobre, Manoelzinho nasceu em 1959. Cresceu analfabeto,
ajudando a mãe a sustentar os irmãos depois do abandono do pai. Entregava pães
nos vilarejos vizinhos, mas sempre sonhava com as telas de cinema. Aos 16 anos,
começou a trabalhar de graça em uma pequena sala de exibição da cidade. Ali,
entre cartazes e pipocas, assistiu a todos os faroestes que chegavam
(principalmente os filmes de Mazzaropi) – e aprendeu a sonhar com a telona.

Na década de 1980, armado apenas com uma câmera VHS emprestada e a ajuda
de amigos, filmou histórias de vingança e cavalarias em cenários improvisados.
Com trilhas gravadas no rádio e figurinos adaptados, fez nascer títulos como A
Vingança de Loreno (1989). Não demorou para que sua ousadia fosse descoberta:
programas nacionais como Mais Você, Jô Soares e Domingo Legal abriram espaço
para aquele “cineasta de bordas” que transformava poeira em faroeste.
Hoje, sua trajetória é revisitada no documentário “Manoel Loreno: Improviso e
Paixão”, dirigido por Enzo Rodrigues e produzido pela Utopia Filmes, com apoio da
Lei Paulo Gustavo e da Prefeitura de Mantenópolis. A obra reúne arquivos inéditos,
entrevistas com amigos e familiares e relatos de como Manoelzinho fez de
Mantenópolis o seu estúdio a céu aberto apresentando os atores, cinegrafistas e
amigos que participaram de suas produções. A viúva e os filhos de Manoel,
compartilham memórias, incluindo a infância de Manoel, quando ele trocava
serviços na sala de cinema local para assistir a faroestes. O filho, Zaqueu, produtor
do filme, resume bem: “Quero mostrar como meu pai se apaixonou pelo cinema
desde criança.”
A estreia do documentário foi realizada no evento Feirart em Mantenópolis, no dia
06 de Junho de 2025, e encantando por mostrar figuras da cidade e trazer relatos
inéditos do cineasta, além de imagens de arquivo da cidade e das entrevistas que
ele participou. Logo após percorreu festivais pelo país, conquistou o prêmio de Júri
Popular no Festival de Vitória, passou pela Mostra Periférica (Pernambuco), Festival Entretodos (São Paulo), Mostra.Doc (Santa Catarina) e agora chega à Mostra Sesc
de Cinema, no histórico Sesc Glória, aqui em Vitória (ES). Entre outubro e
novembro, serão cinco exibições no espaço – uma oportunidade de redescobrir a
força do cinema capixaba, carregado de cultura e verdade.
Manoel Loreno: Improviso e Paixão (23’, ES) é uma celebração afetuosa da
inventividade e da força de um cineasta que, mesmo à margem da indústria – no
cinema de bordas ou no cinema de Guerrilha – construiu uma obra singular. A
direção de Enzo Rodrigues acerta ao resgatar a memória de Seu Manoelzinho,
mostrando como a criatividade pode florescer em meio à precariedade. Sem
recursos técnicos, ele transformou ruas, quintais e vizinhos em cenários e atores,
revelando uma capacidade de enxergar no cotidiano como sua matéria-prima, e
transformar em cinema. A obra cria um retrato íntimo que valoriza não apenas o
realizador, mas também a comunidade que se reconhece em suas histórias. Mais
que biografia, é uma homenagem à resistência cultural e ao poder do improviso e da
paixão (desculpa o trocadilho).
Ao final, fica claro que Manoelzinho fez do cinema um espaço de pertencimento e
sonho coletivo. E ao rever ele nas telas, a sensação é de que ele nunca partiu. Ele
segue vivo no sorriso dos amigos que encenaram seus projetos, no seu sorriso, em
suas imagens de arquivos, e nas ruas de Mantenópolis que ainda guardam
lembranças dos improvisos e, claro, o ver na tela grande, onde ele sempre quis
estar.
Serviço
Filme: Manoel Loreno: Improviso e Paixão (DOC, ES, 23’)
Classificação: 10 anos
Exibições no cinema do Sesc Glória (Vitória – ES):
• 02/10 – 18h30
• 08/10 – 17h30
• 16/10 – 17h30
• 22/10 – 17h30
• 30/10 – 17h30








Excelente texto. Muito importante sabermos da cultura capixaba e seus grandes personagens além de vê-los tratados em ótimas obras audiovisuais.
coluna Excelente e de grande valor para os amantes do nosso estado