Enquanto a ciência avança trazendo diagnóstico, o medo ainda cala muitas famílias e são as crianças que pagam o preço. “Se eu disser que ele é autista, vai ficar rotulado para sempre.” Ouço isso há anos. E sei o que vem depois, a criança repete de ano, sofre bullying, desenvolve ansiedade. A família insiste, “É só uma fase”. Mas aqui está o que dói, hoje temos tratamentos que funcionam. E mesmo assim, muitas famílias ainda negam o diagnóstico presas à crença de que “não tem jeito mesmo”. Só que isso era verdade. Há 30 anos.
O fantasma que nos persegue
Vinte, trinta anos atrás, diagnosticar autismo ou Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), era quase uma sentença. Pouco se sabia. As terapias eram escassas. As escolas, despreparadas. Criou-se uma crença coletiva, “Não tem jeito.” Muitos pais de hoje cresceram ouvindo isso. Viram primos, vizinhos, amigos com dificuldades que nunca melhoraram e internalizaram a ideia de que diagnosticar é rotular sem solução.
Só que a ciência não parou. Hoje sabemos que terapias, reabilitação e medicações produzem mudanças reais. O neurologista Erasmo Casella, da Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil, é direto: “Muitos pais negam no consultório, mas é preciso que a família se envolva e inicie o tratamento o mais rápido possível.”
O problema é que muitas famílias ainda vivem no paradigma antigo. Acham que o diagnóstico é o fim, quando, na verdade, é o começo.
Laura: sete anos perdidos
Para entender o que está em jogo, pense em Laura. Ela chegou aos 9 anos. Três anos de pedidos da escola ignorados. Isolamento. Crises a cada imprevisto. Comia apenas cinco alimentos.
A mãe resistia, “Ela é só tímida.” Na consulta, estava tensa. “Minha sogra disse que vão dizer que ela é autista. Meu primo teve diagnóstico e nunca melhorou. Pra quê? ”A avaliação confirmou, autismo nível 1”. Laura poderia ter sido diagnosticada aos 2 anos de idade em que o autismo já pode ser identificado. Mas, como milhares de crianças, só recebeu o diagnóstico quando a escola não conseguiu mais silenciar os sinais. Medo do estigma. Falta de informação. Resistência familiar.
Expliquei: “O diagnóstico hoje é diferente. Temos terapias validadas. A escola pode ajudar. Laura vai sofrer muito menos.”Seis meses depois, a transformação, estratégias para lidar com imprevistos, escola ajustada, família entendendo. E o principal, Laura parou de se achar “errada.”
Marcos e eu
Marcos chegou chorando, “Você acha que eu sou burro? Todo mundo sempre disse que sou desorganizado por preguiça. Agora vou continuar sendo um fracasso, só que com rótulo oficial?”.
Tinha 34 anos. Olhando pra ele, eu me vi. Tenho TDAH, diagnosticado aos 30. Passei décadas ouvindo que era desorganizado, procrastinador, “aquele que não termina nada”. Achava que era falha de caráter. Quando busquei ajuda, tudo mudou. Terapia baseada em evidências. Medicação ajustada. Estratégias que faziam sentido pro meu cérebro. Funcionou. Não virei outra pessoa. Só parei de travar.
Hoje atendo adultos de 50, 60 anos que nunca foram diagnosticados. Um de 52 me disse, “Passei a vida achando que era preguiçoso. Fui demitido seis vezes. Cadê essa informação há 30 anos?” Há 30 anos, não tínhamos. Hoje temos. Respondi a Marcos, “O tratamento funciona. Você não vai continuar sendo um fracasso. Vai ter acesso ao que seu cérebro sempre precisou.”
“Isso é modismo”
“Antigamente não tinha nada disso.” Os diagnósticos aumentaram mesmo. São cerca de 2 milhões de pessoas com TDAH no Brasil. E, segundo o Censo Escolar 2023, mais de 36 mil alunos com Transtorno do Espectro Autista (TEA), um aumento de 48% em um ano.
Mas não inventamos doenças. Aprendemos a identificar o que sempre existiu. Há 30 anos, uma criança autista era “esquisita”. Uma criança com TDAH era “mal-educada”. Sem diagnóstico. Sem terapia. Só sofrimento.
Hoje há consenso científico sobre a base neurobiológica. Agências de saúde reconhecem essas condições como de alto risco social. Ignorar isso é condenar crianças ao destino dos adultos que vejo no consultório, perdidos, achando que são preguiçosos, sem saber que o cérebro funciona diferente.
O que mudou (e funciona)
A ciência não parou. Surgiram terapias que transformam a comunicação familiar. Intervenções que aumentam autoestima e autorregulação. E medicações que funcionam. Estudos de neuroimagem mostram que crianças com TDAH medicadas adequadamente têm massa cerebral normal; sem medicação, apresentam volume reduzido. A medicação não só melhora sintomas, protege o desenvolvimento.
Crianças diagnosticadas cedo têm melhor desempenho escolar, menos ansiedade e depressão, e mais autonomia. Pessoas com TDAH e autismo têm risco duas vezes maior de depressão. TDAH não tratado leva a baixa autoestima, acidentes, dificuldade financeira e abandono escolar. Negar diagnóstico hoje não é negar um rótulo. É negar acesso a tudo isso. O diagnóstico não prende. A negação, sim.
De quem viveu os dois lados
Não falo só como neuropsicólogo. Falo como alguém que teve TDAH sem saber. Que carregou rótulos injustos. Que perdeu oportunidades. E como alguém que experimentou o alívio do tratamento. Que viu sintomas diminuírem. Que conseguiu funcionar.
Hoje, graças ao diagnóstico e ao tratamento, sou capaz de escrever esta coluna com clareza, foco e propósito. Algo que, anos atrás, seria quase impossível. Isso é o que o cuidado faz, devolve a capacidade de viver o próprio potencial.
Se você desconfia de algo do seu filho, busque respostas. Procure um neuropsicólogo ou neuropediatra. Fale com a escola. Comece pelo pediatra.
O primeiro passo é sempre o mais difícil mas é o único que leva aos outros. Se você é adulto com dúvidas, saiba, não é tarde. Recebi meu diagnóstico aos 30. Tenho pacientes que receberam aos 60 e a vida deles melhorou. Há 30 anos, não tínhamos. Hoje temos.
5 sinais que você está negando o diagnóstico.
Você diz “vamos esperar mais um pouco” há mais de um ano.
A escola sugere avaliação repetidamente e você adia.
Seu filho desenvolve ansiedade, baixa autoestima ou comportamentos autodestrutivos.
Você busca inúmeras “explicações alternativas” (preguiça, birra, falta de limites) antes de considerar avaliação.
Você evita falar sobre o assunto com a família ou pede sigilo excessivo.







Realmente 👏🏼👏🏼👏🏼
Vejamos o quão importante é o diagnóstico precose.
Parabéns ao psicólogo Thiago Luciani.
O texto foi bem explicativo. Até me identifiquei em alguns lugares. É muito importante desmitificar alguns conceitos que parecem banalidades, mas na realidade acabam diminuindo as possibilidades de uma vida mais qualitativa para as pessoas que se sentem diferentes, mas não sabem o que realmente as faz diferentes.
Reflexão importante…
texto fantástico! parabens Thiago! sensacional
Excelente texto, parabéns Thiago. 📚👏👏👏
Excelente texto, parabéns!
👏👏🙆♀️🙆♂️📚
O diagnóstico de TDAH e autismo é fundamental para compreender o funcionamento e as necessidades específicas de cada pessoa. Ele permite direcionar intervenções adequadas, melhorando o aprendizado, a convivência social e o bem-estar emocional. Sem o diagnóstico, muitos enfrentam dificuldades sem entender suas causas, o que pode gerar frustração e baixa autoestima. A identificação precoce facilita o acesso a terapias e adaptações escolares ou profissionais. Além disso, ajuda famílias e educadores a desenvolverem estratégias de apoio mais eficazes. Reconhecer o transtorno não rotula, mas liberta. É o primeiro passo para uma vida mais equilibrada e produtiva.
Hoje aos 53 anos com uma vida equilibrada em todos os aspectos lembro bem do sofrimento até os 30 quando fui diagnosticado.
Parabéns ao Dr Thiago Luciani pela clareza e objetividade em seus textos!
Parabéns pela divulgação! Esse tipo de informação é muito importante para o conhecimento da sociedade.
Excelente reflexão
Ótima reflexão.
O engajamento da família é de fundamental importância para o tratamento da criança com a dificuldade!.
É preciso querer entender e aprender sobre o transtorno para apoiar e o tratamento ser ainda mais eficaz.