A ideia de que a música tem uma influência no modo de ser e estar no mundo, tem ganho cada vez mais força, ainda que refletir sobre essa relação permaneça sempre necessário. É bastante recorrente, entre aqueles que têm acesso aos meios de comunicação, ser atingido pelo pensamento de que a música clássica (erudita) seja uma música praticamente sacralizada e que, aquele que a cultiva acaba sendo dotado de qualidades das mais nobres possíveis. Em contrapartida, aos adeptos de outras músicas, como o funk, por exemplo, são relegados a condições de desvalorização.
Vivemos numa sociedade diversa, aspecto que nos oferece a oportunidade de conhecer distintas culturas embora hierarquizadas em critérios de valores nem sempre muito justos. É fácil observar que o tradicional e o conservador, inúmeras vezes são eleitos como o padrão do bom e do belo pelas classes hegemônicas detentoras de uma visão de mundo que idealiza determinadas expressões culturais ou musicais em detrimento de outras. Desse modo, de acordo com uma seleção de valores que toma lugar, hierarquiza gêneros musicais que são compreendidos como músicas e outros que são ditos que nem música são. Então, de tantas músicas com gêneros musicais diversos, algumas se tornam legítimas alcançando um padrão de qualidade. Lembrando sempre que qualquer música é para determinado grupo social.
Mas que tal inverter essa lógica e pensar a partir do ponto de vista de quem se expressa pela música, ou seja, do ponto de vista do autor ou do criador (compositor). Há o risco de considerar que a música pode sim influenciar pessoas trazendo boas e más influências, mas, talvez coubesse considerar de onde vem as músicas que ora são vistas como boas e ora como músicas ruins.
Sendo a música um fato social, qualquer música surge dentro de grupos sociais e busca também atingi-los. Podemos imaginar um circuito que se fecha em alguns momentos e/ou se expande em outros momentos. Músicas que são criadas por certos grupos sociais são apreciadas pelos mesmos ou atingem outros grupos.
Então, sendo um “fato social”, como diria Molino, semiólogo europeu, e criada por um grupo, a música canaliza as experiências, as vivências, os anseios, as lutas, as angústias e toda a sorte de significados advindos do(s) autor(es) e suas relações sociais. As músicas “pouco adequadas” para alguns, podem ser a expressão mais verdadeira, pura e rica para outros, fato que nos leva a compreender que a música boa e bela se faz produzindo significados. A seguinte pergunta cabe sempre em nossas vidas: música boa e bela para quem?
Nem sempre a música que é boa e bela para um é para o outro, pois cada pessoa e suas relações consigo mesmo e com o mundo, criam padrões de aceitação ou rejeição para tudo aquilo com o qual temos a oportunidade de interagir. Ao nos incomodarmos com uma certa música, precisamos saber se realmente nos sentimos incomodados com a música em si. É importante o papel da consciência, pois cabe saber se é apenas uma questão de afinidade musical ou se são as ideias e verdades contidas nas letras que nos incomodam.
Gêneros tais como o funk, que são inúmeras vezes classificados como uma não música, expressam ideias impactantes que podem causar rejeição. Mas o que rejeitamos mesmo? A música ou as ideias que refletem modos de vida onde o respeito ao próximo e as condições de vida são inadequadas e sofridas. A criação segue as opções que a vida apresenta, nem sempre há possibilidade de escolha mas uma simples transcrição direta da vida vivida para a música. Inúmeras vezes não é a música que nos impacta, mas as condições de vida inapropriadas às pessoas.
Sim, a música pode nos influenciar, mas também é certo que ela é canal de expressão das condições de vida de seus autores/compositores, e essas condições podem ser chocantes e nos fazer confundir e esquecer que a música nasce no mesmo lugar em que as pessoas vivem As condições e o modus vivendis presentes criam consistência e se apresentam em música. Assim, o autor/ criador/ compositor expressa a canalização do seu próprio vivido e experienciado em seu grupo social, de tal modo que recebemos a música como um todo e pensar nela requer uma certa dose de esforço. Mas aquele que aprecia, ouve a música, também é impactado, e sua aceitação ou rejeição também diz sobre seu vivido e experienciado. Então a realidade se molda e se apresenta em forma de música.
Daí a máxima “música é vida”. E não seria a vida música também?







