5 de dezembro de 2025
sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Mamãe ou eu? O dilema que está destruindo relacionamentos

“Doutor, minha namorada me deu um ultimato, ou eu ponho limites na minha mãe, ou ela vai embora.” Eduardo, 32 anos, engenheiro, chegou ao consultório com essa frase. Suas mãos tremiam enquanto falava. “Eu amo as duas, mas sinto que qualquer escolha que eu fizer, vou decepcionar alguém. E a verdade é que tenho mais medo de magoar minha mãe do que de perder minha namorada.”

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Aos 41 anos, casado, pai e terapeuta, reconheço esse drama porque já o vivi. Durante anos, equilibrei-me num cabo emocional entre agradar minha mãe e construir minha própria família, sem perceber que esse equilibrismo estava me destroçando por dentro.

O perfil que destrói relacionamentos

Durante uma década atendendo homens, identifiquei um padrão devastador: mães (e às vezes outras figuras familiares) que desenvolvem relações possessivas com filhos adultos. Não estou generalizando, a maioria das mães ama de forma saudável. Mas existe um perfil específico que está destruindo relacionamentos em massa.

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Frequentemente, são mães que criaram filhos sozinhas após separações traumáticas ou nunca mais se relacionaram. Sem outros parceiros ou apoio emocional, transformaram inconscientemente seus filhos em substitutos emocionais.

“Minha mãe se separou quando eu tinha 8 anos e nunca mais namorou”, conta João, 38 anos. “Me chamava de ‘homem da casa’, me contava problemas financeiros e frustrações do trabalho. Eu me sentia especial. Só depois entendi que isso me roubou a infância e me deixou confuso sobre como me relacionar com mulheres.”

Eduardo vivia situação similar. Desde adolescente, sua mãe fazia comentários sobre suas namoradas: “Essa aí só quer seu dinheiro”, “Ela não te valoriza”, “Você era mais feliz antes dela”. O resultado? Um homem de 32 anos que não consegue tomar decisões importantes sem consultar a mãe primeiro.

A romantização perigosa

Vivemos numa sociedade que romantiza excessivamente vínculos familiares. “Amor de mãe é incondicional”, “mãe sempre tem razão” essas frases criam uma blindagem cultural que impede questionamentos necessários.

“Durante anos, me senti mal por questionar minha sogra”, relata Cláudia, 28 anos, namorada de Eduardo. “Todos diziam ‘mas é a mãe dele’, como se isso justificasse qualquer comportamento. Essa romantização me fez duvidar de mim mesma por muito tempo.”

Segundo pesquisas, 26% dos conflitos conjugais estão relacionados à interferência familiar. Mas o número real provavelmente é maior, porque muitas mulheres nem reconhecem que estão competindo com sogras possessivas, acreditam que o problema está nelas mesmas.

A verdade inconveniente é que figuras familiares também podem ser tóxicas. Reconhecer isso não é desrespeito, é saúde mental.

Os padrões reveladores (e um contraponto necessário)

Eduardo apresentava um padrão que vejo frequentemente, consultar a família antes da parceira sobre decisões importantes, sente culpa quando a prioriza, evita conflitos familiares mesmo quando estão errados. Sua parceira se queixava de se sentir “terceira” na relação, e ele tinha mais medo de “magoar” a mãe que de perdê-la.

Mas nem todos os especialistas concordam com minha abordagem. Dr. Roberto Silva, terapeuta familiar, argumenta que “às vezes rotulamos como possessividade o que pode ser apenas preocupação genuína de mães que viram filhos fazerem escolhas ruins no passado.”

É um ponto válido. Realmente, algumas interferências familiares nascem de experiências traumáticas, mães que viram filhos se relacionarem com pessoas abusivas, por exemplo. A questão é distinguir a proteção saudável de controle possessivo.

No caso de Eduardo, os sinais eram claros, sua mãe não questionava o caráter de Cláudia, mas sua própria existência na vida dele. Criticava não comportamentos específicos, mas a relação em si. Isso vai além da preocupação materna.

Todos precisam de ajuda

Em praticamente todos os casos que atendo, o problema não se resolve apenas com o homem fazendo terapia. É um sistema familiar inteiro que precisa de ajuda profissional.

Eduardo fez seis meses de terapia individual e três de casal. Sua mãe, inicialmente resistente, também buscou ajuda. “Descobri que tinha medo de ficar sozinha, que não sabia quem eu era além de ‘mãe'”, ela admitiu. “Hoje tenho hobbies, amigos, até estou namorando.”

Quando há esforço conjunto, mesmo que nem todos iniciem simultaneamente, as chances de transformação aumentam drasticamente.

Carlos, 44 anos, tentou sozinho estabelecer limites por dois anos, mas sempre recuava. Sua mãe se recusou terminantemente a buscar ajuda: “Psicólogo é coisa de louco.” Resultado, três casamentos fracassados e solidão crescente.A diferença entre sucesso e fracasso quase sempre está no suporte profissional adequado.

A conversa necessária

Com apoio terapêutico, Eduardo finalmente conseguiu ter “a conversa”, “Mãe, Cláudia não é sua rival, é minha parceira. Quando você critica, me machuca. Quando me força a escolher, me coloca numa posição impossível. Vou continuar sendo seu filho, mas agora sou também companheiro dela, e isso precisa ser respeitado.”

A reação inicial foi explosiva, choro, manipulação, ameaças. Mas Eduardo resistiu, apoiado pela terapia. Seis meses depois, ela disse,”Filho, não sabia que estava te prejudicando tanto. Achei que te protegia, mas te impedia de ser feliz.”

A autonomia recuperada

Homens que rompem esse ciclo descobrem uma identidade masculina mais sólida. Aprender que proteger a parceira da interferência familiar é ato de amor, não deslealdade.

“Pela primeira vez, me sinto realmente um homem”, Eduardo me disse meses depois. “Não um menino grande tentando agradar todo mundo, mas um homem que escolheu sua parceira e luta por essa escolha.”

O convite à reflexão

Para homens, sua família ainda tem mais voz na sua vida que sua parceira? Sentem culpa quando priorizam quem escolheram amar? Que tipo de homem querem ser, aquele que agrada a todos ou que protege quem realmente importa?

Para mulheres, estão competindo com sogras possessivas? Não aceitem isso como normal. Vocês merecem ser prioridade na vida de quem dizem amar.

Para famílias, questionem-se honestamente, querem esses homens felizes ou dependentes? Busquem ajuda para entender e modificar padrões possessivos.

A escolha inadiável

No final, todo homem precisa fazer uma escolha, continuar sendo “menino da mamãe” ou se tornar o parceiro que alguém merece ter. É uma decisão dolorosa, mas inadiável.

A pergunta não é “mamãe ou eu?” A pergunta real é, “Você quer ser um homem ou continuar sendo um menino?”

A resposta define não apenas seu futuro amoroso, mas sua própria identidade masculina.

“Um homem de verdade não é aquele que nunca decepciona a família. É aquele que tem coragem de proteger quem escolheu amar, mesmo quando isso dói.” Thiago Luciani

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Thiago Luciani
Thiago Luciani
Psicólogo, Neuropsicólogo e Neurocientista. Apaixonado por pessoas e movido pela curiosidade, dedica-se ao estudo do comportamento humano e ao desenvolvimento de estratégias para promover saúde mental, inteligência emocional e autoconhecimento. Acredita no poder do conhecimento como ponte para a transformação individual e coletiva.

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