Se você não mora numa caverna, provavelmente se deparou com cortes ou vídeos de um tipo de debate que vem ganhando visibilidade. O Jubilee (versão americana) foi importado para o Brasil como 30 contra 1. Onde uma pessoa de X área debate com 30 ou 20 oponentes. São os casos que já bombaram nas redes como “1 comunista vs 20 conservadores”, no debate que trouxe o historiador e influenciador Jones Manoel, ou “1 treinador vs 30 gordos”, “1 patrão vs 30 demitidos”.
Mas, por que falar desse tipo de debate? No canal de YouTube da Juvi Chagas saiu, recentemente, o vídeo “a verdade dos debates 30 contra 1”. É um vídeo relativamente curto, de 6 minutos e pouco. Que me fez pensar: será que não é óbvio que debate entre extremos não leva a lugar nenhum?
Para aprofundarmos nessa reflexão, não tem jeito, temos que falar de filosofia. Especificamente de Schopenhauer e Aristóteles. Schopenhauer já fala bastante de Aristóteles no livro “A arte da razão”. Mas aqui vamos usar mais a obra “Tópicos” de Aristóteles e o que Schopenhauer fala sobre isso.
E para falarmos de debate, desse modelo 30 contra 1, não encaixa com a definição que Schopenhauer faz ao refletir sobre os “Tópicos”, que “[…] toda discussão parte de uma tese ou problema e então argumentações, que devem servir para resolvê-la”.
Vamos ser práticos, toda discussão parte de um problema, argumentamos para chegar em uma solução para esse problema. Então que tipo de solução temos no fim de um debate 30 contra 1?
Podemos pensar nos debates políticos que sempre acontecem em anos eleitorais. Nota-se que em si, esses debates não giram em torno de propostas, mas em ataques a outros candidatos e ao governo atual. E aqui relembro da polêmica edição do Jornal Nacional, “[…] do debate entre Lula e Collor, que foi manipulada em benefício de Collor e decisiva no processo eleitoral de 1989”.
Em Tópicos, Aristóteles já fala de algo que vemos constantemente nos debates atuais, quando uma das partes não tem argumentos suficientes, “[…] é às vezes necessário atacar a própria pessoa que fala e não a sua posição […], porque quando as pessoas perdem o domínio próprio dessa maneira, o argumento converte-se numa contenda e deixa de ser uma discussão”.
Discussão, neste caso, é o que entendemos como debate, o objetivo é chegar numa solução para o problema discutido/debatido. É bem diferente de contenda, que é a briga pela briga, sem propósito de resolução.
De certo modo, o que vemos nos programas de televisão ou nos canais de YouTube como “debates”, é uma distorção ou decadência do que é debater sobre algo. Passa a ser uma “rinha de pessoas” (usando palavras da Juvi). Deixa de ser “debate” para ser um “espetáculo”. Nem que seja um show de horrores, porque quanto mais sangue, mais discurso de ódio e briga, mais audiência, logo, mais dinheiro.
No fim, debater para algumas pessoas é brigar. E não é culpa dessas pessoas, mas da espetacularização do debate que passamos a assistir desde o debate entre Lula e Collor em 1989. Das diretas já para 2025 não mudou muita coisa no modo como vemos os debates, não é mais importante chegar em uma verdade ou uma solução. De fato, argumentar, discutir e debater não é para todo mundo, que o diga Aristóteles em Tópicos e outras obras. A tão sonhada dialética de Aristóteles fica cada vez mais distante, enquanto mais “debates espetacularizados” são regurgitados para consumirmos, como uma comida pouco nutritiva. É só mais um conteúdo ultraprocessado.
