Escrevi um artigo intitulado “Como a internet pode nos transformar em homens das cavernas” e prometi escrever mais sobre o assunto, agora com foco mais específico na educação.
Para começar, um spoiler do texto passado: usei “homens das cavernas” não como sinônimo de “pessoas inferiores e mentalmente pouco desenvolvidas”, mas no sentido contrário: nossos antepassados, ao que tudo indica, eram indivíduos com muito mais capacidade de interagir autonomamente com seu meio do que nós somos. Minha tese é a de que, com o uso das informações disponíveis na internet, podemos trazer de volta um pouco dessa característica.
nossos antepassados, ao que tudo indica, eram indivíduos com muito mais capacidade de interagir autonomamente com seu meio do que nós somos.
E como isso se verifica na educação? Ouvimos com muita frequência declarações de que as escolas não têm mais serventia em um mundo em que as informações estão em todos os lugares. Paralelamente, muitos de meus colegas professores criticam a falta de atenção, respeito e concentração dos alunos, que passam o tempo todo olhando para seus smartphones e já não sabem como se comportar em uma sala de aula.
É fato que a informação hoje está mais disponível do que nunca: se alguém quiser saber como apagar um incêndio, preparar uma lasanha vegana de palmito ou dar um nó em gravata, basta digitar algumas palavras e um vídeo aparecerá para explicar tudo. O mesmo vale para a fórmula de Bhaskara, a conjugação do verbo “colorir” ou o hino da Moldávia (que é um dos únicos a louvar a língua nacional desde o primeiro verso: “Um tesouro é a nossa língua que aumenta / De sombras profundas do passado / A cadeia de pedras preciosas que se espalharam / Por todas as partes da nossa terra antiga.)

Porém, esse acesso facilitado à informação não garante que as pessoas sejam autônomas: para manter a metáfora dos homens das cavernas, é como se as informações fossem estrelas, que permitem saber a direção a ser seguida. Mas, para quem é um analfabeto estelar, poder vê-las não adianta nada. Analogamente, a maioria das pessoas encontra dificuldade para interpretar as informações disponíveis na rede. A combinação muita informação + pouca interpretação tem como resultado a proliferação de fake news, a adesão a terapias alternativas sem eficácia, o terraplanismo, o movimento anti-vacina e até autoridades clamando pela interferência de dogmas religiosos na ciência.

Os carros voadores também estão demorando bastante pra aparecer…
É aí que entra o educador: sua tarefa não é mais (se um dia foi) entregar dados aos estudantes, mas desenvolver neles habilidades para usar as informações disponíveis de maneira autônoma, sem ter que acreditar cegamente em “gurus” e influenciadores digitais.
A função de um professor em um mundo cheio de informações é a mesma de um pintor em um mundo cheio de tintas.
Mas vale aqui derrubar alguns mitos que cercam essa “educação 3.0”: dar autonomia é diferente de pressupor autonomia. Não é válido o sentimento, partilhado por muitos professores, de que, como a escola quer que os alunos sejam livres, basta deixar as crianças fazerem o que quiserem no horário da aula. É também ingênuo acreditar que, com o Google à disposição, o professor terá menos trabalho para se preparar, bastando consultar o celular a cada dúvida que surgir. Ocorre justamente o contrário: para formar cidadãos autônomos, o educador precisa ter enorme clareza de quais conhecimentos, habilidades e atitudes está trabalhando a cada encontro. As aulas precisam de propósitos claros, estratégias customizadas de ensino e métodos eficientes para avaliar os resultados. O improviso não funciona. As exigências sobre esse tipo de educador são maiores, e não menores, que antes.
As aulas precisam de propósitos claros, estratégias customizadas de ensino e métodos eficientes para avaliar os resultados.
A popularização da internet não é obstáculo para a educação: ela prejudica apenas um tipo específico de educação, que baseava seu valor na escassez de informações. A nova educação deve ter como meta prover as ferramentas necessárias para lidar com a abundância de informação.









