5 de dezembro de 2025
sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Quem nunca errou, que poste o primeiro vídeo

A cultura do cancelamento e o que ela revela sobre nossa humanidade

Antes de tudo, vamos combinar o que é “cancelamento”: é quando alguém tem a vida destruída publicamente, principalmente na internet, por alguma coisa que disse ou fez. É diferente de uma crítica ou de alguém assumir um erro. É sobre destruir a pessoa de forma desproporcional ao que ela fez de errado.

Continua após a publicidade

Semana passada estava tomando meu café da manhã, mexendo no celular, quando vi mais um caso desses. Uma professora de Minas Gerais perdeu o emprego por causa de um comentário que entenderam errado numa aula. Em dois dias, a vida dela virou de cabeça pra baixo. Fiquei ali, mexendo o açúcar no café, pensando: “Nossa, isso pode acontecer com qualquer um.” E aí me bateu uma reflexão meio desconfortável: quantas vezes eu já falei ou fiz alguma coisa que, se alguém gravasse, poderia me ferrar? Como psicólogo, eu me cobro muito, reconheço quando faço besteira e tô sempre tentando ser uma pessoa melhor. Mas, gente, eu sou humano. Eu erro. Aposto que você também já passou por isso. A gente tá sempre evoluindo, né?

Por que nosso cérebro “Bugga” quando somos rejeitados

Deixa eu te explicar uma parada interessante: quando você é excluído de um grupo, seu cérebro literalmente sente dor. Não tô falando de metáfora não, é ciência mesmo. As mesmas partes do cérebro que doem quando você bate o dedão na quina da mesa são as que disparam quando você é rejeitado. Isso rola porque, no tempo das cavernas, ficar sozinho era igual a virar comida de animal selvagem.

Continua após a publicidade

O pepino é que hoje, quando alguém é “cancelado”, pode ser milhões de pessoas rejeitando a pessoa ao mesmo tempo. Nosso cérebro, que ainda funciona com “software” de 50 mil anos atrás, simplesmente não foi feito pra processar essa quantidade absurda de rejeição. Imagina o estrago que isso faz na cabeça de alguém?

O que vejo todo dia no meu consultório

Vou contar sobre a Sarah (nome fictício). Ela tem 24 anos, trabalha numa empresa normal, e veio me procurar porque não conseguia mais postar nada nas redes sem ter crise de ansiedade. “Doutor”, ela falou, “eu reescrevo cada post umas quinze vezes. Antes de falar qualquer coisa, fico pensando: será que isso pode ser usado contra mim no futuro?” Sarah não é famosa, não é influencer, não mexe com política. É uma menina comum que desenvolveu o que eu chamo de “síndrome do medo de ser cancelada”.

O mais triste? Esses jovens são inteligentes, criativos, têm muito a oferecer pro mundo. Mas tão vivendo com tanto medo que preferem ficar de boca fechada. É como se a gente tivesse criando uma geração que não fala mais o que pensa. E olha, ela não tá sozinha não. Cada vez mais gente chega aqui assim.

A Necessidade de fazer parte do grupo

Aqui vai uma verdade que incomoda: todos nós, sem exceção, precisamos fazer parte de algum grupo. Isso não é coisa de gente carente, é programação do nosso cérebro há milhares de anos. Lá na pré-história, quem ficava sozinho virava jantar de leão. Por isso nosso cérebro tem um alarme interno supersensível quando o assunto é rejeição. Quando você vê alguém sendo cancelado, uma parte primitiva do seu cérebro sussurra: “Cuidado, você pode ser o próximo.”

O George Orwell descreveu isso direitinho no livro “1984”. Ele mostrou como uma sociedade onde todo mundo vigia todo mundo não precisa de polícia na porta da sua casa – o medo de ser vigiado, julgado e punido já faz todo o trabalho sujo. A diferença é que no livro era o “Grande Irmão” te observando. Hoje em dia, somos todos “Grandes Irmãos” uns dos outros.

Não sou contra justiça social

Antes que você pense que eu sou algum tipo de reacionário: não sou contra pessoas assumirem a responsa pelo que fazem, não. Muito pelo contrário. Acho fundamental que gente responda por comportamentos que machucam outros, principalmente quando atacam minorias ou espalham preconceito. A questão é: quando que a justiça vira vingança? Quando que corrigir alguém vira querer destruir a pessoa?

Fico pensando nos filósofos antigos que eu lia quando era mais novo. O Aristóteles falava que a virtude tá no equilíbrio, no meio termo. Será que na era da internet a gente esqueceu essa sabedoria? Será que paramos de acreditar que as pessoas podem errar, aprender e mudar?

O que rola quando todo mundo vigia todo mundo

Tem uma pesquisa que mostra que quando vivemos sob pressão moral o tempo todo, nosso cérebro entra em modo sobrevivência. A parte responsável pela criatividade, empatia e pensamento crítico fica meio “desligada” porque tá gastando toda energia tentando nos manter seguros. O resultado? Uma sociedade menos criativa, menos empática, menos capaz de pensar fora da caixinha.

E olha, eu entendo o receio. Já reli este texto várias vezes pensando: “Será que alguém vai entender errado? Será que vão dizer que eu não me importo com questões sociais?” Mas decidi publicar mesmo assim, porque acho que a gente precisa conversar sobre isso. A gente tá literalmente ficando mais limitado de tanto medo.

Minha proposta

E se a gente tentasse algo diferente? Em vez de cancelar, que tal educar? Em vez de destruir, que tal criar diálogo? Em vez de condenar pra sempre, que tal dar uma segunda chance? Não tô falando pra passar pano pra comportamento tóxico. Tô falando pra criarmos um ambiente onde seja seguro errar, aprender e crescer.

Porque, sinceramente, do jeito que tá, todo mundo anda pisando em ovos, com medo de respirar errado. E isso não faz bem pra ninguém. Onde a gente possa discordar sem se odiar. Onde possamos ensinar sem humilhar.

Pra fechar

Olha, vou ser sincero com vocês. Desde pequeno, sempre fui curioso sobre por que as pessoas fazem o que fazem. Comecei lendo Platão, Aristóteles, Kant, Voltaire, tentando entender o comportamento humano. Essa curiosidade me levou pra psicologia e depois pra neurociência. Confesso que pensei duas vezes antes de escrever sobre esse assunto. Sim, eu também tenho medo de ser cancelado. Mas acho que falar sobre isso é minha obrigação como profissional da saúde mental.

Acredito que dias melhores vão chegar quando a gente parar pra refletir mais. A gente pode escolher: ser uma sociedade que educa ou que destrói? Que perdoa ou que condena pra sempre? A escolha é nossa. E ela tem que ser feita agora.

Continua após a publicidade
Thiago Luciani
Thiago Luciani
Psicólogo, Neuropsicólogo e Neurocientista. Apaixonado por pessoas e movido pela curiosidade, dedica-se ao estudo do comportamento humano e ao desenvolvimento de estratégias para promover saúde mental, inteligência emocional e autoconhecimento. Acredita no poder do conhecimento como ponte para a transformação individual e coletiva.

14 COMENTÁRIOS

  1. Verdade, hoje em dia a cultura do cancelamento está deixando as pessoas sem empatia, onde se você falou algo que não concordam já começam o cancelamento. Está complicado criar conteúdo para as redes sociais, você tem que pensar muito no que vai falar e como falar , para que não interpretem de forma negativa, espero que essa situação melhore um pouco, só assim as redes sociais não ficam tão tóxicas.

  2. A linguagem totalmente acessível 👏🏼 e que assunto interessante! Amei que você trouxe um texto recheadinho de informações embasadas, questionamentos e uma proposta. Estamos em uma Era Digital que está em constante crescimento e é muito importante discutir essa crítica responsável… é sobre saúde mental…

  3. 👏🏼 tema bem pertinente e pouco falado.

    Não é sobre passar pano, mas sobre permitir aprendizado em vez de só destruir. (realmente)

  4. Excelente abordagem! incrivel como as pessoas sao mais crueis nas redes sociais. Acho que o fato de voce nao estar olhando as pessoas nos olhos, e poder mesmo assim reagir a elas atraves das redes, criou uma falta de empatia que gera esses ‘cancelamentos’. as vezes me pergunto se as pessoas estivessem se vendo pessoalmente, elas agiriam da mesma forma e tenho quase certeza que a resposta seria nao.

  5. Muito boa a reflexão! precisamos ler mais colunas como essa para nos termos mais reflexões relevantes sobre nossos comportamentos, precisamos ajudar mais e julgar menos…

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Vitória, ES
Amanhecer
04:53 am
Anoitecer
06:11 pm
22ºC
Chuva
0mm
Velocidade do Vento
3.6 km/h
06/12
Sáb
Mínima
21ºC
Máxima
25ºC
07/12
Dom
Mínima
21ºC
Máxima
26ºC
08/12
Seg
Mínima
23ºC
Máxima
28ºC
09/12
Ter
Mínima
23ºC
Máxima
28ºC

Volta Ecológica defende os Manguezais de Vitória

Tony Silvaneto

Leia também