O café, especialmente a variedade arábica que domina a mercado, é uma cultura notoriamente sensível. Sua zona de conforto é estreita: desenvolve-se melhor em temperaturas entre 18°C e 22°C. O aquecimento global, que já elevou a temperatura média do planeta em cerca de 1,1°C desde a era pré-industrial, está empurrando esta cultura para além dos seus limites.
O calor intenso provoca estresse hídrico nas plantas, acelera a maturação dos frutos e reduz a qualidade final do grão. Para piorar, o desequilíbrio climático cria um ambiente propício para a proliferação de pragas, como a broca-do-café, e doenças, como a ferrugem, que encontram condições ideais para se espalhar.
Impactos Visíveis na Produção Global
Os efeitos não são mais uma projeção futura, mas uma realidade presente. Em 2024, os preços mundiais do café registraram um aumento médio significativo, subindo 38,8% em relação ao ano anterior. Esta alta foi impulsionada por quedas drásticas na produção nas principais regiões cafeeiras:
Brasil: Secas prolongadas e geadas no estado de Minas Gerais, o principal polo produtor, levaram a uma redução de 1,6% na safra 2023/2024, quando a previsão inicial era de crescimento. A produção de arábica no país foi gravemente afetada, com o preço dessa variedade chegando a subir 58% em um ano.
Vietnã: Como maior produtor global da variedade robusta, o país sofreu com um tempo seco prolongado, que resultou em uma queda de 20% na produção. Isso causou uma disparada de 70% no preço do robusta.
Indonésia: Chuvas excessivas danificaram as plantações, causando uma queda de 16,5% na produção.
Esses eventos têm um impacto direto e rápido no bolso do consumidor. Nos Estados Unidos, os preços ao consumidor subiram 6,6%, enquanto na União Europeia o aumento foi de 3,75% em dezembro de 2024, comparado ao mesmo período de 2023. No Brasil, o quilo do café moído chegou a ser comercializado a quase R$50.
Adaptação e o Futuro da Cafeicultura
Diante desse cenário, a busca por resiliência no setor cafeeiro é urgente. Produtores e pesquisadores estão explorando diferentes caminhos para garantir o futuro da bebida.
Migração para Altitudes Maiores: Agricultores de regiões tradicionais, como Brasil e Colômbia, estão sendo forçados a mover seus cafezais para áreas mais altas, onde as temperaturas são mais amenas. No entanto, esta solução é limitada pela disponibilidade de terras adequadas e tem um custo elevado.
Investimento em Variedades Resilientes: O desenvolvimento de novas sementes mais tolerantes ao calor e à seca é uma frente importante de pesquisa. O café robusta, naturalmente mais resistente a altas temperaturas, tem ganhado espaço, com investimentos em tecnologia para melhorar sua qualidade e produtividade em regiões como Rondônia.
Práticas Agrícolas Sustentáveis: Técnicas como o sombreamiento (cultivo do café à sombra de árvores) ajudam a regular a temperatura e a umidade do solo, protegendo as plantas contra climas extremos. A irrigação controlada e o monitoramento climático também são ferramentas essenciais para gerir os recursos hídricos de forma mais eficiente.
O Mapa do Café Pode Mudar
Projeções científicas indicam que, se o ritmo atual de aquecimento se mantiver, até metade das áreas atuais de cultivo de café podem se tornar inadequadas até 2050. Um estudo com dados de lavouras em Minas Gerais e São Paulo aponta um cenário ainda mais grave, com até 75% das áreas de arábica tornando-se economicamente inviáveis até o fim do século.
Isso pode redesenhar o mapa mundial da produção, com regiões antes menos expressivas, como algumas áreas da Amazônia Legal para o robusta, ganhando protagonismo, desde que o cultivo ocorra em pastos degradados e sem avançar sobre a floresta. A adaptação, no entanto, tem um custo que será refletido no preço final. Investimentos em novas técnicas, irrigação e fertilizantes devem manter o café como um produto de valor elevado no longo prazo.
A xícara de café, símbolo de aconchego e rotina, tornou-se um termômetro dos desafios que um planeta mais quente impõe à agricultura. Garantir seu futuro exige uma combinação de inovação, investimento em pesquisa e transição para práticas agrícolas verdadeiramente sustentáveis.









