O café, um dos produtos mais consumidos pelos brasileiros, teve um aumento significativo em seu preço em 2024, impactando tanto o bolso do consumidor quanto a cadeia produtiva. O café moído, por exemplo, subiu 39,6% no ano passado, contribuindo com 0,15 ponto percentual para a inflação geral de 4,83% no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Esse cenário é resultado de uma combinação de fatores, como eventos climáticos adversos, aumento da demanda internacional, estoques baixos e custos de produção elevados.
Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a produção brasileira de café em 2024 foi de 54,2 milhões de sacas de 60 kg, uma queda de 1,6% em relação ao ano anterior. Minas Gerais, maior produtor nacional, registrou uma redução de 3,1% na safra, impactada por secas e geadas. Enquanto a produção diminuiu, as exportações bateram recorde, com 50,5 milhões de sacas enviadas ao exterior, um aumento de 28,8% em relação a 2023. Esse cenário de alta demanda externa, aliado à valorização do dólar, pressionou os preços internos, com a saca de café saltando de R$900 em 2023 para 2.300 em 2025.
Lucas Tadeu Ferreira, chefe de Transferência de Tecnologia da Embrapa Café, explica que a alta do preço do café é resultado de uma combinação de fatores. “Secas e geadas impactaram a produção no Brasil, enquanto a exportação atingiu um recorde histórico. O café é uma commodity negociada em bolsas internacionais, e a alta do dólar incentivou a exportação”, afirmou. Ele também destacou que os estoques públicos de café, que poderiam ajudar a estabilizar os preços, estão praticamente zerados desde 2017, agravando a situação.
A falta de estoques reguladores é um ponto crítico. Celírio Inácio, diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), defende a reconstituição desses estoques para proteger tanto os consumidores quanto a indústria. “A criação de estoques reguladores poderia contribuir para uma maior estabilidade dos preços”, disse. Edegar Pretto, presidente da Conab, reconhece que a queda dos estoques é resultado de políticas equivocadas de governos anteriores e afirma que a estatal trabalha para reverter esse quadro.
No campo, os pequenos produtores também sentem os impactos da volatilidade dos preços. Maria Cecília Barbosa, produtora de café no Assentamento Zumbi dos Palmares, em Iaras (SP), relatou que as vendas caíram em 2024 devido ao aumento dos preços. “Muita gente que comprava até cinco sacos de café por vez agora já não compra tanto. Tem gente falando que anda tomando chá”, contou. Ela também criticou a atuação de grandes negociadores, que compram a produção de pequenos agricultores a preços baixos e revendem com margens elevadas.
Rafael Figueira Coelho, coordenador administrativo do Armazém do Campo, rede que vende produtos de pequenos agricultores, confirmou que o aumento dos preços do café impactou as vendas. “Mesmo com um perfil mais consciente do consumidor, houve uma redução na quantidade de café vendido”, disse. Ele destacou que os pequenos produtores dependem de preços mais altos para garantir sua renda, mas isso acaba afetando o consumo.
No mercado internacional, o café arábica valorizou mais de 20% em 2024, impulsionado pela expectativa de uma safra menor no Brasil em 2025/2026 e pelos baixos estoques globais. Laleska Moda, analista da Hedgepoint Global Markets, explicou que a alta é resultado de uma oferta restrita e de uma demanda crescente. “A expectativa de uma safra menor no Brasil e os estoques baixos globais pressionam os preços”, afirmou.
Eugenio Stefanelo, especialista em agronegócio, destacou que o café é uma commodity cujos preços seguem as cotações internacionais, ajustadas pela taxa de câmbio. Ele explicou que a safra 2024/2025 teve uma produção global de 174,9 milhões de sacas, com um consumo de 168,1 milhões de sacas, resultando em um estoque final de 20,9 milhões de sacas, o menor em 25 anos. “Esse cenário de estoque reduzido e oferta inferior à demanda impulsionou a valorização das cotações internacionais”, disse.
Para 2025, as perspectivas não são animadoras. Stefanelo acredita que os preços do café continuarão elevados, com variações dependendo das cotações internacionais e da taxa de câmbio. A florada no Brasil, que ocorre a partir de setembro, será crucial para determinar o futuro da produção. Além disso, as preocupações climáticas, como chuvas abaixo da média e temperaturas mais altas, podem impactar negativamente a safra 2025/2026.
Enquanto isso, os consumidores seguem sentindo o impacto no bolso. O IPCA do café moído subiu 37% em 2024, e especialistas afirmam que não há sinais de uma queda significativa nos preços no curto prazo. Para Maria Cecília Barbosa, a solução passa por investimentos em técnicas como a agrofloresta, que podem ajudar a mitigar os efeitos das mudanças climáticas. “Quero plantar café na sombra para evitar o calorão”, disse. Enquanto isso, o Brasil, maior produtor e exportador mundial de café, enfrenta o desafio de equilibrar a demanda global com a necessidade de garantir preços acessíveis para seus consumidores.