O ranking Latin America’s 50 Best Restaurants, divulgado no dia 15 de novembro de 2022 em Yucatán, no México, foi de festa para os brasileiros, especialmente para os paulistanos.
Entre os dez restaurantes que entraram para a lista dos 50 melhores do continente, havia três novatos, todos eles de São Paulo – Metzi, em 27º lugar, Charco, em 35º, e Nelita, em 39º.
Aos 33 anos, a chef e sócia do Nelita, Tássia Magalhães, parecia a mais surpresa de todos na plateia. “Quando soube que receberia o prêmio, nem acreditei, porque tinha inaugurado o restaurante havia pouco mais de um ano.”
Tássia já deveria ter se acostumado –tudo na vida dessa paulista de Guaratinguetá aconteceu assim, rápido demais.
Aos 19 anos, diploma do Senac fresquinho embaixo do braço, ela conseguiu o primeiro estágio no extinto Pomodori, casa de cozinha italiana onde Jefferson Rueda despontava como chef-revelação.
Saiu de lá 10 anos depois como única proprietária da casa, com uma coleção de prêmios na estante e o nome na lista Under 30, da Forbes.
“Quando me ofereceram sociedade, eu não tinha um tostão no bolso. Como o restaurante estava cheio de dívidas, me comprometi a assumi-las se tivesse controle total. Foi assim que comprei o Pomodori”, ela conta.
Entre 2018 e 2021, depois de se desligar da casa, Tássia inaugurou novos negócios bem diferentes. O primeiro foi o Riso.e.Ria, especializado em arrozes, inspirado nas receitas dos mexidões que a mãe improvisava para os jantares da família. Em seguida veio a Uno Masseria, que ocupava a mesma cozinha e vendia massas apenas no delivery.
Sua cartada mais certeira, no entanto, foi a criação do Nelita, de cozinha autoral, aberto em maio de 2021 na Ferreira de Araújo, uma das ruas mais gastronômicas de Pinheiros.
Com 44 lugares, contando bar e balcão, a casa tem alma feminina e só mulheres na cozinha – homens, apenas na equipe de salão, comandada pelo marido e sócio Daniel Steinle. O nome é homenagem à mãe de Tássia, Vani Helena.
“Descobri que Nelita é um apelido carinhoso para Helena, em italiano. Tinha acabado de perder meu pai e quis homenagear minha mãe enquanto ela ainda está aqui”, justifica.
O trabalho primoroso com as massas, herança trazida do Pomodori, continua sendo uma das suas marcas registradas. Mas não se deve esperar dela uma cozinha italiana clássica.
O menu, que Tássia renova duas vezes por ano ao sabor das estações, viaja por onde ela bem entende. Vai do conforto proporcionado pelo caramelle, massa servida sob creme aveludado de abóbora e ricota de búfala, à potência orientalizada do foie gras com maçã verde e matchá.
A mescla ousada de ingredientes é uma constante em suas criações. Sobre os aspargos confitados com beurre blanc, emulsão à base de manteiga, a untuosidade do lardo ganha a companhia pungente da botarga.
Janeiro é o último mês para provar tais pratos – a partir de fevereiro, Tássia promete renovação total. Alerta de spoiler: um dos novos pratos será vieira/guanciale/beurre blanc/mel de saiqui.
Já o menu-degustação, onde a chef se arrisca ainda mais, muda só uma vez por ano, sempre em maio, no mês de aniversário da casa. A inspiração vem de múltiplas fontes, de livros a louças e outros objetos que Tássia registra por aí.
“Amo moda e arte e tiro ideias de vários universos. Um porta-joias pode virar uma louça e uma receita. Mas o visual não é o mais importante, o que tem sido comum nesses tempos de redes sociais. Não abro mão do sabor.”
A sequência atualmente em cartaz, batizada de Tempos Memoráveis, foi desenvolvida a muitas mãos, a partir das histórias de vida de cada uma das cozinheiras do time de Tássia.
Seu prato preferido, ela confessa, é o ravioli de couve com angu, que chega à mesa em uma peça de madeira que lembra um minifogão estilizado.
“A Michele, minha chefe de produção, contou que tinha raiva de um fogão a lenha que a mãe construiu e não teve tempo de usar. Assim nasceu o prato, que é uma explosão de sabores.”
O ano de 2023 promete ser intenso. Tássia evita cravar uma data, mas promete reabrir o Riso.e.Ria e a Uno Masseria, desta vez em pontos separados e em formatos mais ambiciosos, assim que encontrar os pontos ideais.
Enquanto isso, o Nelita vai bem, obrigado. Dezembro foi de casa cheia e muitos estrangeiros na lista de reserva, atraídos pela premiação internacional – fechado para recesso, o restaurante reabre no dia 10 de janeiro.
Estar no 50 Best faz diferença para o faturamento, mas Tássia garante que é só. “Acho o prêmio mais importante ainda para a equipe que trabalha comigo. Não posso perder o foco e virar refém do bichinho do ego.”