Desde a implementação da Lei Seca em 2008, o Brasil se destacou por possuir uma das legislações mais rigorosas para coibir a combinação de álcool e direção. No entanto, a prática de dirigir após o consumo de bebidas alcoólicas ainda persiste, resultando em um número alarmante de vítimas. Nos últimos cinco anos, foram registrados 23.383 sinistros provocados por motoristas que beberam antes de dirigir, resultando em 20.982 feridos e 1.291 mortes nas rodovias federais brasileiras.
O número de autuações por dirigir sob o efeito de álcool e por recusa ao teste do bafômetro no período segue altíssimo. Segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF), de 2019 a 2023, 252.756 motoristas foram multados por infringir os artigos 165 e 165A do Código de Trânsito Brasileiro.
“Há cada 10 minutos, um motorista é multado por desrespeitar a Lei Seca nas rodovias federais brasileiras. O impacto negativo que cada uma dessas pessoas pode provocar no trânsito é enorme”, comenta Carlos Luiz Souza, psicólogo especializado em Psicologia do Trânsito e vice-presidente da Associação de Clínicas de Trânsito do Estado de Minas Gerais (ACTRANS-MG).
Souza explica que isso é resultado do famoso ‘jeitinho brasileiro’, “uma forma de encontrar justificativas para condutas ilegais, imorais ou perigosas. Esse contexto permissivo contribui significativamente para a continuidade da prática de dirigir sob a influência de álcool”.
16 anos de Lei Seca: desafio é mudar hábitos e reduzir sensação de impunidade
Especialistas em Psicologia do Trânsito explicam que as autoridades encontram dificuldades para coibir completamente essa prática devido à aceitação social do álcool e à falta de conscientização sobre os riscos envolvidos. Há uma forte apologia ao consumo de bebidas alcoólicas, especialmente entre os jovens. “O consumo está profundamente enraizado na cultura brasileira, associado a sensações de prazer, bem-estar, alívio, perda de timidez e inserção social, algo difícil de ser revertido”, comenta Souza.
Adalgisa Lopes, Psicóloga Especialista em Trânsito e Presidente da ACTRANS-MG, destaca, ainda, a incidência do alcoolismo na sociedade brasileira como um fator que acaba contribuindo para essa prática. “Pesquisa recente mostrou que 17% dos brasileiros têm consumo abusivo de álcool. É um número significativo e que requer atenção especial”, comenta.
Sensação de impunidade
Os especialistas destacam que as leis brasileiras, embora rigorosas, ainda são vistas como flexíveis quando se trata de punir quem mata ou fere em sinistros de trânsito. “A sensação de impunidade é reforçada pela falta de responsabilização adequada em casos de acidentes graves. Essa percepção de que ‘não vai dar em nada’ contribui para que muitas pessoas continuem dirigindo depois de beber”, comenta Adalgisa.
Solução multifatorial
Souza e Adalgisa explicam que enfrentar o problema passa pela aplicação rigorosa da lei e maior responsabilização dos causadores de acidentes, além da ampliação da fiscalização e a implementação de campanhas preventivas. “Quanto mais cedo e mais tempo durar a educação sobre os perigos de dirigir sob a influência de álcool, melhores serão os resultados. As campanhas preventivas devem focar na conscientização sobre os riscos do consumo de álcool e direção, além de promover comportamentos seguros no trânsito”, completa Souza.
Os especialistas explicam que a relação entre álcool e direção é um problema complexo, influenciado por fatores culturais, psicológicos e legais. Mas é possível reduzir significativamente a incidência de sinistros e mortes com uma abordagem integrada que inclua educação, fiscalização rigorosa e campanhas preventivas. “A sociedade brasileira deve se unir para promover um trânsito mais seguro e responsável. Esse é um dever não só dos governos, mas de todos. A segurança no trânsito começa em cada um de nós”, completa Adalgisa.
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