Torresmo tinha uma reputação pavorosa quando eu era pequeno, lá no milênio passado. Eram tempos rústicos.
Aceitava-se o torresmo, nos círculos paulistanos de gente branca e remediada, apenas como coadjuvante da feijoada. Fora do bufê do Rubaiyat ou do Dinho’s, torresmo significava perdição, sarjeta, ruína física e moral.
O torresmo remetia a botecos de homens que passavam a tarde toda a beber caninha, fumar cigarro sem filtro e jogar sinuca. Torresmo peludo, torresmo gorduroso, mais ameaçador do que o ovo cozido cor-de-rosa, mais temido do que a salsicha residente na estufa há uma semana.
Na virada do século, repaginaram o boteco e redimiram o torresmo. A exemplo do bacon, seu primo gringo, ele virou modinha.
Dia desses, no Twitter, um seguidor me perguntou se eu acho que o torresmo de rolo equivale ao tomate seco e à paleta mexicana de outras eras.
O estranho é que eu nunca havia pensado a respeito disso. Sou cricri com todo tipo de hype gastronômico, do brigadeiro gourmet à cozinha de afeto, mas esse me passou batido.
Foi assim porque, diferentemente de outras modinhas, nessa eu embarquei. Tornei-me um consumidor frequente de torresmo –e pouco me importa se ele é reto ou enrolado.
A febre do torresmo deve ser analisada dentro de um contexto maior: o substancial aumento no consumo de carne suína em geral.
Pedaços de porco que antes não se viam nos supermercados de classe média –como a copa-lombo e a barriga (matéria-prima do torresmo)– estão hoje por todo lado. Às vezes, para driblar resquícios de preconceito, eles passam por rebranding: são rebatizados, respectivamente, de ancho suíno e panceta.
O restaurante mais premiado do Brasil se chama A Casa do Porco. Centenas de outros estabelecimentos pegaram a onda e se especializaram em carne suína.
Curiosa e paradoxalmente, a porcomania é um passo na direção do vegetarianismo.
Passamos a consumir porco avidamente porque a carne bovina se tornou cara demais. É só comparar os preços de corte equivalentes: o lombo custa a metade do contrafilé.
O problema é que a demanda já elevou o patamar do preço do lombinho. Não só a demanda doméstica: a troca do boi pelo porco é um fenômeno global. E o Brasil fornece para a China, o maior consumidor de carne suína no mundo.
O consumo de qualquer tipo de carne, nos moldes que conhecemos agora, é insustentável no longo prazo. Não se trata de uma questão ética ou puramente ambiental.
Com o crescimento da população mundial –e, espera-se, da prosperidade geral– não há como aumentar a criação de vacas e porcos na mesma proporção. A alta nos preços é natural e vai continuar até que a maioria das pessoas não possa almoçar bife e jantar linguiça.
Duvido que a dieta vegetariana venha a prevalecer. Mas é possível que precisemos nos contentar, como os europeus fazem há séculos, com o toucinho no feijão e o osso do presunto na sopa. E um torresminho com cachaça no fim de semana.