A conversa não avança. Há pelo menos uma década o debate público se mobiliza intensamente em torno da indicação de novos ministros e ministras para o STF (Supremo Tribunal Federal). No entanto pouco se discute mais do que alguns aspectos biográficos dos indicados e se o modelo de indicação e ocupação da vaga deveriam ser modificados.
No geral, as questões postas no debate não mudam e, sem surpresa alguma, as respostas também não. Então as notícias de novas indicações ficam nesse misto de fofoca com a insatisfação superficial com o modelo atual. Precisamos discutir esse assunto sob novos termos.
A próxima vaga no STF será aberta em maio com a aposentadoria do ministro Ricardo Lewandowski, que completará 75 anos, idade limite para atuação no tribunal.
Creio que a pergunta central é: quais são as qualidades que uma pessoa deve deter para exercer bem a função de ministro ou ministra do Supremo?
Apenas se respondermos a essa pergunta poderemos discutir seriamente se a indicação de uma determinada pessoa é boa ou ruim. Contudo, para saber quais são as qualidades necessárias para preencher essa vaga de emprego, é preciso também discutir com clareza quais são as tarefas que deverão ser bem executadas, sem ingenuidade ou cinismo.
Se formos francos, temos que admitir que o Supremo –como toda Corte Constitucional no mundo– não é como qualquer outro tribunal.
Em 1835, Alexis de Tocqueville dizia que a paz, a prosperidade e a própria existência do país repousavam nas mãos dos ministros da Suprema Corte dos EUA. Para ele, escolher más pessoas para essa função poderia levar a situações de anarquia ou guerra civil. Por esse motivo deveriam ter qualidades que iam além daquelas exigidas pela magistratura em geral.
Do mesmo modo que um excelente professor de direito não será necessariamente um excelente juiz, uma excelente juíza federal não será necessariamente uma excelente ministra para o Supremo.
As qualidades necessárias para realizar essas funções são diferentes. Saber resolver problemas jurídicos é uma condição necessária, mas não suficiente para estar no STF.
Isso ocorre porque a função de ministros e ministras do Supremo não é apenas de interpretar a Constituição Federal. Eles têm que tomar uma série de decisões políticas para exercer seu ofício. A tarefa mais obviamente inevitável e política é a de optar por quais casos devem ser julgados logo e quais devem aguardar julgamento.
Além disso, como é evidente, há uma opção política de como se comportar perante excepcionalidades. Há também opções políticas sobre como atuar nos debates públicos e perante outros Poderes.
Em resumo, a tarefa de ministros e ministras do STF não é a de enfrentar apenas casos juridicamente difíceis e complexos. Há dificuldades sobre as implicações institucionais e econômicas de suas decisões, dificuldades sobre quando julgar um caso, dificuldades sobre como comunicar publicamente uma decisão, como interagir com causas de amplo interesse nacional etc.
É possível que juízes de outras instâncias enfrentem essas dificuldades, mas não com a frequência e magnitude com que isso ocorre no STF.
Se esse é o trabalho, quais devem ser as qualidades de uma pessoa merecedora da vaga?
É preciso que os senadores e a mídia apurem se a pessoa teve experiência resolvendo problemas complexos de ordem jurídica e de ordem política (no sentido amplo). Essas pessoas tendem a ser dotadas de humildade intelectual (para entender um problema sobre diferentes perspectivas) e temperança (resolvendo conflitos sem os vícios da covardia e da temeridade).
Em outras palavras, demonstrar que possui uma certa sabedoria prática.
Além disso, a Constituição Federal também aponta caminhos, apesar de ser concisa nos requisitos. É preciso ter cidadania brasileira, ter entre 35 e 70 anos, notável saber jurídico e reputação ilibada.
Com isso, me parece que a Constituição está sinalizando que a pessoa indicada precisa ter demonstrado em sua trajetória que é capaz de ter construído uma reputação sólida dentro e fora da comunidade jurídica.
Não podem ser pessoas sem experiência, sem bibliografia, com pouco a perder.
Tem que ser uma pessoa que construiu um nome e, com isso, laços de confiabilidade com diferentes audiências, necessariamente no meio jurídico e também em outros relevantes. Ilustres desconhecidos podem tomar decisões esdrúxulas com pouca consequência negativa sobre si.
Por último, vale a pena considerar que a qualidade das indicações pode ser pensada a partir da composição.
Um tribunal com 11 ministros se justifica pelo fato da pluralidade de formações e olhares deliberando sobre uma situação aumentarem a chance de se alcançar uma solução melhor do que uma pessoa só.
Aristóteles chamava isso de “a sabedoria das multidões”. Então uma boa pessoa para estar ali deve ser alguém que apresenta uma perspectiva diferente daquela presente e maioria ali. Não basta, portanto, que se contemple uma carreira ausente, como a Defensoria Pública, mas também de alguém com uma trajetória pessoal e profissional diferente, como ser mulher ativista no movimento negro.
Em vista disso tudo, a escolha para a vaga do STF não é, não tem como ser (e nem deveria ser), impessoal e técnica. Porém o STF também não é uma lotação política.
O Supremo é uma instituição de Estado, crucial para a sobrevivência e desenvolvimento democrático. Não deve ser utilizada para pagar favores a conhecidos nem para agradar os atuais membros.
Dada a profunda crise política em que ainda nos encontramos, seria importante ter alguém de firme orientação democrática, que possa contar com a confiança e o respeito de ampla parcela da população. Quem discordar que apresente melhores critérios.
PRÓXIMAS APOSENTADORIAS NO SUPREMO
GOVERNO 2023-2026
Ricardo Lewandowski (mai.23)
Rosa Weber (out.23)
GOVERNO 2027-2030
Luiz Fux (abr.28)
Cármen Lúcia (abr.29)
Gilmar Mendes (dez.30)
GOVERNO 2031-2034
Edson Fachin (fev.33)
Luís Roberto Barroso (mar.33)
GOVERNO 2039-2042
Dias Toffoli (nov.42)
GOVERNO 2043-2046
Alexandre de Moraes (dez.43)
GOVERNO 2047-2050
Kassio Nunes Marques (mai.47)
André Mendonça (dez.47)