Engana-se quem pensa que a única finalidade de uma empresa é obter lucro. O lucro é, sem dúvida, a função primordial de uma empresa, especialmente de organizações privadas em economias capitalistas, mas não representa seu propósito exclusivo.
Uma empresa está inserida na sociedade e desempenha uma função social: ora satisfaz desejos e demandas coletivas ao oferecer bens ou serviços, ora deve compensar impactos que sua atividade provoca no seu entorno.
Portanto, supor que uma organização possa se limitar unicamente à busca de lucro é uma visão excessivamente estreita.
O conceito de empresa tem se transformado ao longo do tempo, assim como as expectativas sobre suas responsabilidades e potencialidades, mudanças que muitas vezes ocorreram por meio de disputas complexas.
Na França, país que historicamente priorizou a saúde do trabalhador, a legislação sobre condições dignas de segurança e higiene no trabalho levou onze anos para ser aprovada.
No Brasil, a norma que disciplina a gestão dos riscos psicossociais, a NR1 (Norma Regulamentadora nº 1), também enfrentou atrasos em sua aplicação.
O que diz a NR1 sobre saúde mental no trabalho
A NR1 é uma norma brasileira que estabelece diretrizes gerais de segurança e saúde no trabalho, indicando responsabilidades para as empresas quanto à proteção da saúde dos trabalhadores.
A versão revisada da NR1, cuja vigência foi postergada, determina que, além dos riscos físicos e químicos já reconhecidos, as empresas devem responder pelos riscos psicossociais, entre eles estresse, assédio moral e sobrecarga de trabalho.
Na prática, a norma obriga as organizações a identificar e gerenciar esses fatores, com o objetivo de resguardar a saúde mental de seus colaboradores.
Por que a NR1 gera incômodo nas empresas
Essas alterações exigirão adaptações, novos entendimentos e reformas nas práticas organizacionais, o que tem sido usado como justificativa para adiar a efetivação da NR1. De fato, o tema incomoda. Apesar dos avanços no reconhecimento e no cuidado da saúde mental, ainda não há soluções consolidadas na sociedade nem no ambiente empresarial.
No entanto, o que deveria ser uma demanda previsível torna-se surpreendente quando se observa que, com a vigência do novo texto da NR1, a atuação da gestão ficará sob maior escrutínio.
O risco aparece quando líderes mostram descaso diante de abusos cotidianos que impõem aos trabalhadores, como exigências abusivas, excesso de cargas e horas de trabalho e tratamentos desrespeitosos, condutas muitas vezes naturalizadas por gestores pressionados e sem preparo emocional para suas funções.
Também há risco na negligência diante de condições precárias de trabalho ou no desinteresse frente ao adoecimento psíquico de integrantes das equipes, entre outras questões diretamente vinculadas à gestão.
Isso implica que muitas lideranças que nunca consideraram cuidar da própria saúde mental precisarão fazê-lo, não apenas por si mesmas, mas em benefício da organização e de seus colegas.
Em outras palavras, parte das posições de comando terá de investir em autoconhecimento para evitar transferir seus sintomas ao time; caso contrário, esses líderes poderão se tornar um passivo de risco e pouco desejáveis para as empresas.
Talvez seja exatamente aí, nas entrelinhas das críticas ao novo texto da NR1, que esteja o verdadeiro desconforto revelado pelas reações públicas.








