4 de dezembro de 2025
quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

De onde vêm as lendas da redação?

Em 2011, resolvi criar um blog (temqueportitulo.blogspot.com.br) enquanto pesquisava na internet sobre a redação do Enem. Notei que muitas pessoas faziam as mesmas perguntas e que as respostas, de forma geral, eram muito vagas, quando não totalmente equivocadas. Enquanto lia diversas listas de dicas com títulos do tipo “como fazer uma redação nota 10” e “os 12 erros mais comuns que acabam com uma redação”, percebi que esse tipo de lista, embora não seja muito útil para orientar um estudante, representa bem a visão que a maioria das pessoas tem sobre a redação. Também comecei a me lembrar das inúmeras vezes em que meus alunos citaram lendas, especialmente sobre redação em vestibulares, que os acompanharam por toda a vida escolar. Questões do tipo:

Continua após a publicidade

— É verdade que o tema da redação era “O Relógio”, o cara escreveu “tic-tac, tic-tac, tic-tac” e tirou dez?

— É verdade que se escrever com letra de forma vai zerar a redação?

Continua após a publicidade

— Pode começar o texto com “atualmente”?

Esse tipo de dúvida sempre me incomodou. Não por causa do aluno, claro, que tem todo direito de perguntar e faz muito bem em esclarecer se o que ouviu falar é verdade. Mas eu me perguntava: “de onde vêm todas essas histórias?”; “por que tanta gente se importa com detalhes sem importância?”. Fiquei pensando nisso durante boa parte da minha carreira docente e cheguei a algumas conclusões, que vou explicar melhor a seguir. Mas, resumidamente, a situação é a seguinte:

1 — escrever boas redações é um processo longo e trabalhoso, mas muitas pessoas querem dicas que ocupem menos de uma página e acreditam que é possível aprender a escrever bem em dez minutos;

2 — o papel aceita qualquer coisa, a internet também: muitas dicas publicadas na internet foram escritas por pessoas que não têm contato com a redação e apenas reproduzem ideias ouvidas ‘por aí’;

3 — muitos professores abusam da subjetividade: como não há regras bem estabelecidas sobre o que é um bom texto, muitos professores escolhem critérios de correção baseados apenas no seu gosto pessoal e os passam aos alunos como se fossem a verdade absoluta.

A Ilusão do Caminho Fácil (ou: a redação e o nó em gravata)

 

A internet tornou muito mais simples o processo de aprender a fazer coisas rápidas, mas que poucas pessoas sabem (como fazer nó em gravata ou montar um cubo mágico). Já procurei no Youtube mais de uma vez um vídeo explicando como dar nó em gravata e fui bem sucedido (na verdade, eu faço isso todo ano, no dia da formatura dos meus alunos). Antes da internet, eu teria que procurar alguém que tivesse esse conhecimento. Talvez eu tivesse que telefonar e a pessoa explicaria o que eu deveria fazer para dar o tal nó. Ia ser bem mais complicado. Não sei se as pessoas que tiveram seu nascimento postado no Orkut têm muita noção da diferença que a internet fez para o acesso à informação.

Agora, vamos imaginar o que se passa na cabeça de alguém que, encantado com a facilidade que é aprender a dar nó em gravata pela internet, resolve aplicar o mesmo processo em outras áreas de sua vida. Vamos supor que essa pessoa vai prestar alguma prova, como um vestibular ou o ENEM, e vai ter que fazer uma redação. É natural que ela tenha o impulso de entrar no Google e digitar sua dúvida, acreditando sinceramente que encontrará lá um vídeo de no máximo 10 minutos ou um texto de uma página que dirá tudo o que ela precisa saber. Infelizmente para esse nosso estudante hipotético, não é bem assim que funciona.

De todas as matérias que formam o currículo brasileiro na atualidade, acredito que a redação seja a mais voltada à prática. Aprender a escrever é algo que simplesmente exige que o estudante escreva e reescreva. Posso garantir que é impossível aprender a fazer boas redações sem praticar. E não estou falando aqui de textos literários, mas de redações do tipo exigido em provas e concursos. Portanto, esperar um caminho fácil para aprender a fazer redação, memorizando ‘dicas’ do que fazer e do que evitar, é uma estratégia fadada ao fracasso.

Se não é possível aprender a escrever lendo dicas, como fazer, então? Ótima pergunta, eu ia mesmo entrar nesse assunto. O fato é que as dicas realmente úteis para redação podem ser resumidas em duas: Planeje antes de escrever e também Pratique sua escrita.

A prática pode ser um pouco complicada, mas o que eu sugiro é basicamente é o seguinte: você, estudante interessado em evoluir sua escrita, deve pegar temas de concursos e vestibulares e escrever os textos. Em seguida, procure um profissional da área para corrigir seus textos (pedir à sua mãe para dizer o que achou pode até ser uma alternativa, mas é difícil ela ser muito imparcial…). Se você tem acesso a alguém que possa fazer esse trabalho em sua escola ou cursinho, melhor. Caso contrário, ainda assim vale a pena se esforçar para conseguir um profissional que corrija seus textos. É a única forma de melhorar a escrita. Se estiver se preparando para uma situação determinada (como fazer o vestibular da Unicamp ou o ENEM, por exemplo), procure alguém que conheça os critérios do concurso ou vestibular específico que você pretende prestar. Esse conhecimento específico, que eu vou discutir mais detalhadamente no quarto post desta série, é um diferencial importante.

Sobre o planejamento, podemos comparar a escrita de um texto à construção de uma casa. Talvez, quando perguntado sobre qual é o primeiro passo necessário para construir uma casa, você se sinta tentado a responder “os alicerces” ou “a fundação”. Na verdade, o primeiro passo é a planta. Se alguém tentar construir uma casa sem uma planta, vai gastar muito tempo e muito material, enquanto erra e depois corrige erros completamente evitáveis. O mesmo vale para o processo de escrever um texto. Às vezes, a pressão do tempo nos faz achar que vale a pena começar a escrever a redação o mais rapidamente possível, mesmo sem ter entendido perfeitamente o tema. Ocorre que, quando alguém escreve um texto dessa forma, é muito provável que coloque no papel ideias que não receberam muita reflexão, ou que caia em contradição ou ainda que gaste os primeiros parágrafos do texto ‘enrolando’ e, quando tiver finalmente uma ideia para escrever, a folha já esteja no fim. Talvez você já tenha passado por essa situação: você recebe um tema e começa imediatamente a escrever o rascunho. Quando termina e vai lê-lo, antes de passar a limpo, acaba percebendo que o texto que você produziu é muito ruim e escreve um totalmente diferente na folha final. Podemos dizer que, nesse caso, você escreveu um “não-rascunho”, ou seja, um guia do que não estará na versão final de sua redação.

A solução? Escreva, antes da versão final, antes até mesmo do rascunho, um projeto de texto, que deve conter todas as ideias que estarão presentes no texto final, inclusive a conclusão ou o desfecho, ou seja, o final do texto. Na maioria dos casos, aliás, é melhor começar a planejar o texto imaginando como será o final dele.

Esse projeto não precisa ser perfeito, mas deve ser elaborado de forma clara, para que você consiga entendê-lo muito bem e usá-lo como base para a escrita da redação. E o que deve estar presente no projeto? Isso já depende muito do gênero ou do tipo de texto que você está escrevendo. Falarei mais sobre isso em breve. Por enquanto, lembre-se de que é preciso planejar antes de escrever. Essa regra simples irá ajudar muito mais que todas as listas de dicas que você pode encontrar por aí.

Em breve publicarei a parte 2.

Continua após a publicidade
Cícero Gomes
Cícero Gomes
Sou formado em Letras na Unicamp e coleciono jogos de tabuleiro, livros, videogames e miniaturas. Gosto de diversos assuntos nerds. Atualmente trabalho como gerente de RH em uma editora da área de educação, mas também dou algumas consultorias em gamificação e storytelling e fui professor de redação por 23 anos.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Vitória, ES
Amanhecer
04:52 am
Anoitecer
06:10 pm
23ºC
Chuva
0mm
Velocidade do Vento
5.14 km/h
05/12
Sex
Mínima
21ºC
Máxima
24ºC
06/12
Sáb
Mínima
22ºC
Máxima
25ºC
07/12
Dom
Mínima
22ºC
Máxima
25ºC
08/12
Seg
Mínima
22ºC
Máxima
28ºC

Volta Ecológica defende os Manguezais de Vitória

Tony Silvaneto

Leia também